Volta ao Mundo em Livros: Argentina – As Coisas que Perdemos no Fogo

Chegou a vez de procurar um livro para representar a Argentina, um país que tem uma literatura incrível. Fica bem difícil escolher só um, e nesse caso eu quis acrescentar um requisito a mais. É porque quando eu olhei a lista de livros que tinha lido de autores argentinos, notei que só tinha um livro escrito por uma mulher, e dezenas de livros escritos por homens. Foi uma das maiores disparidades na minha lista, e por isso queria corrigir isso um pouquinho.

Ainda assim, tinha uma quantidade enorme de opções de livros para escolher, como La Debil Mental, de Ariana Harwicz, Teorías Selvagens, de Pola Oloixarac; Pájaros en la boca, de Samanta Schweblin; Las Aventuras de la China Iron, de Gabriela Cabezón Cámara; e Cada Despedida, de Mariana Dimópulos. Acabei ficando com uma autora de quem já tinha ouvido falar muito, mas ainda não tinha lido: As Coisas que Perdemos no Fogo, Mariana Enriquez.

As Coisas que Perdemos no Fogo é um livro de contos, que são geralmente descritos como contos de horror cotidiano. Eles focam em temas perturbadores, que às vezes começam parecendo familiares, mas que evoluem para escancarar problemas maiores. Em um deles, por exemplo, “O Menino Sujo”, a narradora mora na antiga mansão dos avós, em um bairro decadente que agora é visto como um dos lugares mais perigosos da cidade. Ela fica obcecada por um menino pequeno, que dorme em um colchão em frente da casa, com a mãe viciada em drogas. A atmosfera de horror no conto vem de coisas que são familiares demais se você é uma mulher brasileira: de ter que andar pela rua que é bem iluminada, ao invés de fazer o caminho curto, pensando em que hora ainda é ok andar nessa rua, checando se tem alguém te seguindo.

Em vários contos, o horror se relaciona com a história da Ditadura Militar que comandou o país entre 1976-1983: contos de pessoas desaparecidas, inclusive crianças, e de lugares assombrados por um passado violento que ninguém quer lembrar, mas que ainda afeta quem passa por eles. E muitos deles são abertos o bastante para permitir várias interpretações: os sons assustadores que duas meninas – e só elas – escutam em uma pousada que elas invadem são ecos do que aconteceu lá, nem tanto tempo atrás, e mencionados de passagem pelo pai de uma delas, ou o medo da atração crescente que elas sentem uma pela outra?

Os contos são muito bem escritos, e fiquei feliz de acrescentar mais uma autora argentina para a minha lista de livros lidos. Achei que representou bem o país, e muitos dos contos ficaram na minha cabeça por suas imagens fortes e diferentes possibilidades de interpretação.

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