Voluntária com o Workaway: minhas experiências em albergues russos

Quando eu comecei a planejar minha tão sonhada viagem para a Rússia, queria ficar lá por um tempo maior, não por uma ou duas semanas. Então claro, uma das minhas maiores preocupações foi como arranjar um modo de ficar lá por três meses sem gastar uma fortuna. Minha primeira idéia foi fazer um Workaway, uma ferramenta online que combina pessoas oferecendo acomodação em troca de trabalho com viajantes. Paguei a taxa anual, achei vários perfis na Rússia, e decidi que queria tentar trabalhar em albergues porque eu adoro ficar hospedada neles, e achei que seria divertido, que eu conheceria muita gente.

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Um dos posters que recebi da Workaway. Crédito: divulgação

Achei rapidinho uma vaga em Moscou, mandei uma mensagem e o dono me respondeu já no dia seguinte marcando uma entrevista por Skype. Conversamos por cerca de meia hora, e foi leve, tranquilo. Quando o Robert, o dono, perguntou porque eu queria ir para a Rússia e falei que era porque eu amo literatura russa, ele me contou que o albergue era na Praça Pushkinskaya, e começou a listar os apartamentos de escritores que eram lá pertinho, de Bulgákov a Tchékhov. No final ele já me disse que eu estava aprovada e que como eu estava olhando com uma antecedência de mais de três meses, as datas dele estavam flexíveis, então para eu mandar uma mensagem no whatsapp quando comprasse a passagem avisando as minhas datas de chegada e partida.

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Enquanto isso, fui para o Rio para o ano novo e conheci uma menina da África do Sul que estava fazendo trabalho voluntário lá. Ela tinha olhado a vaga no Worldpackers, que, ao contrário do Workaway, fala o nome do albergue, então ela resolveu não pagar a taxa e contatá-los por conta própria, e ficou trabalhando em um albergue na Lapa. Ela estava satisfeita, achando que a experiência valeu a pena, mas ela passou vários perrengues. Para começar, o albergue tava sempre overbooked então vários dias ela não tinha uma cama, e acabava tendo que dividir a cama com o dono do albergue ou dormir no sofá da área comum. Ela também tinha responsabilidades demais, como lidar com dinheiro e fazer pagamentos. Um dia sumiram 300 reais e todo mundo suspeitou dela que era nova, e embora no final tenham descoberto que foi um erro, ela passou muito stress. Ela também tinha alguns benefícios, como acomodação gratuita no outro albergue da rede e transfer, mas eu achava as condições inaceitáveis e comecei a ter um pouco de apreensão com o que eu estava fazendo.

Quando cheguei em Moscou, descobri que meu primeiro turno era na manhã seguinte, e já me avisaram que ia ser um turno pesado porque dois grupos estavam fazendo check-out. No dia seguinte, acordei, fui ao supermercado comprar geléia, ovos e leite para o café da manhã de todo mundo, voltei e fiz dezesseis camas, mais do que fiz no ano passado inteiro.

Workaway voluntária albergue Moscou
Quem tá tirando a foto é a Yassia, uma das administradoras do albergue, e atrás estamos eu, Robert, o dono, e a Larissa, uma hóspede brasileira

Mas logo me acostumei com o ritmo e vi que o trabalho não era pesado. Quando eu tinha o turno da manhã, eu acordava às 8:30 e perguntava se o administrador da noite precisava de ajuda para fazer o café da manhã. Às vezes eu ia à loja comprar algo, ou ajudava um pouquinho, mas quase sempre eu ficava sentada no sofá tomando meu chá em paz. Nas próximas horas, eu ia de vez em quando ao banheiro e à cozinha só para ter certeza que estava tudo bem, olhando se precisava substituir as toalhas e tapetes, lavando as panelas do café da manhã, dando direções para quem quisesse ir ao Free Walking Tour ou visitar algum museu. Depois, quando as pessoas começavam a fazer check-out, eu fazia as camas, separava a roupa de cama para a lavanderia, e continuava prestando atenção na cozinha e nos banheiros.

Quando eu ficava com o turno da noite, a idéia era inventar algo diferente para os hóspedes. Às vezes eu fazia noite de cinema, passando um filme russo com legendas em inglês e acompanhando com pipoca. Às vezes eu fazia vinho quente, sangria, caipivodkas. Às vezes tinha alguém, um hóspede ou administrador do albergue, que resolvia cozinhar para todo mundo e eu só ajudava. Era bem tranquilo e dava para passar um bom tempo conversando com os funcionários do albergue, todos muito simpáticos e que me davam dicas e ajudavam a praticar meu russo. Fiquei doente por uns dias e o Robert na hora falou que se eu estivesse mal, não precisava trabalhar, que podia ligar para ele a qualquer hora se eu precisasse de algum remédio ou de ver um médico (felizmente não foi necessário, melhorei rápido, graças ao alho e vodka que uma das hóspedes me enfiou goela abaixo falando que a medicina tradicional russa era melhor que Advil).

Workaway voluntária albergue Moscou vista
A vista do quarto de 12 pessoas

Às vezes a gente tinha um ou outro hóspede mais complicado, como o brasileiro que me disse que era vergonhoso eu, que tenho formação universitária, estar lá arrumando cama. Teve uma semana que tivemos três hóspedes machistas e arrogantes que passavam grande parte do tempo tentando provar que um era melhor que o outro, e foi difícil lidar. Mas a maioria dos hóspedes era ótima. Muitos dos hóspedes russos me ajudavam a praticar russo, incentivavam. Alguns dos hóspedes eram tão simpáticos que quando voltavam para o albergue, parecia que era alguém da família voltando, fazíamos tudo para que eles tivessem uma experiência fantástica. Algo que tinham me dito é como você ama as pessoas que ficam no albergue por mais tempo – e é verdade. Como a maioria das pessoas tá lá por três noites, quem tá por uma semana é sério candidato a virar melhor amigo.

Recomendo esse albergue, o Vagabond, tanto para quem quer trabalhar quanto para quem procura um lugar para ficar em Moscou – ele tem uma atmosfera ótima, vista para a avenida mais importante de Moscou e é a quinze minutos andando da Praça Vermelha.

Vagabond hostel workaway voluntária
Meu último dia, com a boina do exército vermelho que foi presente do Robert

Em Petersburgo, minha experiência foi bem diferente. Para começar, custei para achar um albergue. A princípio só tinha um no Workaway e a menina nunca me respondeu. Já tava pensando em ficar com uma família, o que seria menos social, mas talvez fosse legal para praticar russo, quando surgiu mais uma oportunidade. Era nova, então não tinha referências e deu um medinho, mas mandei uma mensagem e a gerente, Marina, respondeu em menos de dez minutos. Assim como em Moscou, fiz a entrevista por Skype e no final ela já me disse que eu estava aprovada.

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Quando eu cheguei no albergue, a primeira coisa que me disseram é que não tinha muito para fazer. O albergue era enorme, mais de cem camas, e eles costumavam receber grupos de crianças em excursões escolares, e agora estavam convertendo em um albergue mais tradicional. Em todo o mês de maio, tivemos reformas e os últimos grupos de crianças que chegavam, e só tive que fazer alguns turnos noturnos, pelos quais fui paga, tudo certinho segundo a lei russa. Era engraçado ver os grupos de crianças que ficavam encantados quando notavam que eu era estrangeira, e que me faziam um milhão de perguntas, essa parte me lembrava do meu intercâmbio trabalhando em escolas públicas em Praga.

Workaway voluntária albergue Petersburgo
O que tá na minha cabeça é o cartão que elas fizeram para o meu aniversário e que me forçaram a usar como chapéu

Em junho, foi bem diferente. O albergue ficou lotado por causa da copa do mundo de futebol, e uma das minhas responsabilidades, cozinhar o jantar, tornou-se um desafio. As únicas vezes que tinha cozinhado para mais de quatro pessoas foi com ajuda enorme, e agora tinha que cozinhar para vinte, trinta. Também tive que bolar Free Walking Tours para levar os hóspedes pela cidade, o que foi até fácil tendo em vista minha obsessão com a cidade. Eu tinha muitas histórias sobre ela para contar, e foi bem ter alguém para me ouvir. Também recebi gorjetas dos hóspedes, o que ajudou muito. Em um dia bom, recebia mais que minha chefe recebe por um turno de oito horas.

Não foi um mês fácil. Alguns voluntários acabaram expulsos, depois de ouvir repetidamente que eles precisavam ser mais parte do time, e fazer, algumas horas depois de conversar com o dono do albergue, tudo que ele tinha pedido para não fazer. Depois negar e xingar quem brigava com eles. Eles estavam tratando como acomodação de graça em que se faz o mínimo, ao invés de um negócio que tem que ser bom para os dois lados, e achei que foi justo que tivessem sido expulsos. No albergue eles sempre mudavam todo mundo de turno para garantir que pudéssemos ir nos festivais que estávamos lá para ver – e quando alguém tem boa vontade, não dá para abusar.

Banya Petersburgo workaway hostel voluntária
As voluntárias aproveitando um Banya, a sauna russa

Esse era o Fly Away hostel – novo, mas já com nota 10 para localização e staff, com um compromisso enorme com fazer os hóspedes se sentirem bem vindos. Por isso, aliás, o jantar que a gente fazia de noite, que era gratuito para quem quisessem participar (contribuições para bancar os próximos jantares são bem vindas, mas de forma alguma obrigatórias).

No total, fiquei na Rússia 88 dias – dos 90 que eu podia fazer antes de precisar de um visto. Voltei com um conhecimento melhor da língua, com amigos novos, com uma obsessão ainda maior pela história e literatura do país, com uma obsessão nova por comida da Geórgia (que foi minha próxima viagem), com novos desafios enfrentados, com mais uma experiência incrível, sonhando com a próxima viagem, sonhando em voltar para a Rússia.

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2 comentários

  1. Diogo

    Olá, Julia! Adorei o relato da experiência
    Queria saber se a economia que vc teve trabalhando em hostels realmente valeu a pena se comparado ao tempo gasto com o trabalho e a redução do seu tempo livre. Deu pra fazer uma viagem bem barata e com bom proveito?
    Abraço!

    1. Julia Boechat

      Obrigada, Diogo!
      Para mim valeu muito a pena. Trabalhar em albergues me permitiu ficar na Rússia por três meses com o dinheiro que eu gastaria em um, então, mesmo trabalhando parte do tempo, deu para ver mais do país. E deu para fazer amigos que me mostraram mais da cidade. Eu achei que valeu muito a pena, mas só para quem vai ficar em cada cidade pelo menos um mês (geralmente é o tempo mínimo que os albergues aceitam mesmo).
      Abraços

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