Às vezes quando tenho que falar de um país cujo cinema ou literatura eu curto, eu tenho que decidir se quero ver um filme novo ou usar a oportunidade para rever um filme que eu adorei. E dessa vez, eu decidi pelo segundo, e fui rever As Pequenas Margaridas, de Věra Chytilová.
Věra Chytilová é um dos nomes mais conhecidos da Nouvelle Vague tcheca dos anos sessenta, e esse é seu filme mais famoso. Depois que ele foi lançado, em 1966. ele foi famosamente “banido da Tchecoslováquia para sempre”. A autora não pode fazer outro filme até 1975. Como não tem mais Tchecoslováquia, e torrent tá aí para isso, hoje ele é bem fácil de ver.
O filme conta a história de duas adolescentes, ambas chamadas Maria, que decidem que o mundo é mau elas tem que ser más também. Elas passam o tempo com trotes, geralmente com homens mais velhos em posições de poder, que a maioria dos espectadores assumiu que eram membros do Partido Comunista, aumentando a controvérsia do filme.
Em uma cena, elas pedem um jantar enorme antes de sumir do restaurante, deixando a conta para um velho que tinha levado uma delas lá. Por causa de cenas assim, Chytilová, a única estudante mulher da academia de cinema de Praga da sua época, era chamada de feminista, por subverter a narrativa comum de exploração nesse tipo de relação, de um velho rico com uma mulher muito mais nova. E isso parecia um ataque, já que o comunismo tinha prometido a liberação da mulher, e as mulheres tinham conseguido direitos fundamentais, como o voto e a liberdade reprodutiva, antes de grande parte do mundo capitalista. Mostrar que o patriarcado continuava por lá era polemizar, e foi justamente isso que ela fez.
Em outra cena, elas destroem um grande banquete feito para oficiais do partido comunista, antes de se equilibrar nos candelabros. Mostrar desperdício de comida, aliás, foi outro dos motivos pelo qual o filme foi banido, embora a crítica por trás seja maior: era de que ela mostrava o luxo em que o Partido Comunista Tcheco vivia, fazendo banquetes.
As duas terem o nome de Maria me faz pensar como elas eram vistas como substituíveis pelos homens mais velhos com quem saíam. Também me faz pensar que elas representam a juventude dos anos 60 com seus excessos, as roupas coloridas e não conformismo, que irritavam tanto o establishment do partido comunista quanto da Igreja e dos governos capitalistas.
Esse é um dos meus filmes preferidos, sobre uma das épocas que mais me interessam, e por isso virou meu representante para a Volta ao Mundo para a República Tcheca, e acho que foi uma boa escolha. Se você quer outras recomendações, olhe o nosso post sobre Filmes e Livros para entrar no clima de uma viagem para a República Tcheca.