Procurando um livro para a Indonésia, Man Tiger, de Eka Kurniawan, logo se destacou. Afinal, não é todo dia que um livro vem recomendado por Benedict Anderson, que chama o autor de “meteorito inesperado”. Ele também fala muito sobre a prosa do autor, que mistura neologismos com palavras antiquadas, usadas em vilas remotas como a do romance, mas que não aparecem nos dicionários publicados na cidade. Essa parte me intrigou muito, embora eu soubesse que não ia ser uma parte do livro que eu poderia aproveitar sem falar indonésio. Realmente, na tradução achei a prosa de Kurniawan lindíssima, mas não notei esse aspecto.
O livro começa contando a história de um assassinato, contando que Margio, um menino calmo e educado, matou Anwar Sadat, um artista fracassado e mulherengo. Margio não parece ter nenhum motivo para o crime, exceto que ele tem “algo dentro dele”: uma tigresa branca passada geração por geração pelos homens da família, que aparece em um brilho amarelado nos seus olhos. Isso é o que ele conta para a polícia, chocada com a violência do crime, porque Anwar foi morto a dentadas.
“The tigress had come to him, lying beside him on the surau’s warm rug, while the universe outside froze. As his grandfather had said, the tigress was as white as a swan or a cloud or cotton wool. How unbelievably happy he was, for the tigress was more than anything he had ever owned. He thought about how she would hunt with him, helping to corral the wild pigs that ruined the rice fields, and, if he ever got slack when one or two boars charged, she would protect him from the worst. It had never occurred to Margio that the tigress would turn up on such a damn cold morning, surrendering herself to him like a girl. Look how the tigress lay down, still licking the tips of her paws, tongue flickering. For a moment she seemed like a giant domestic cat, grandly aristocratic and huge. Margio looked deep into her face, so lovely to him, and the boy fell profoundly in love.”
Depois da cena inicial, o romance vai e volta no tempo, contando a história de Margio, que cresce com um pai extremamente abusivo, Komar bin Syueb, que frequentemente espanca a esposa, Nurhaeni. Ele tem uma irmã, Mameh, e uma irmãzinha, Marian, que viveu apenas por alguns dias, tendo nascido prematuramente depois de mais um episódio de violência de Komar com a esposa. Margio, por isso, fala frequentemente em matar o pai. A família também convive com uma grande pobreza, permanentemente subnutridos. Por causa disso, Margio e sua mãe trabalham ocasionalmente na casa de Anwar, que vive com a esposa, herdeira de metade da cidade, e suas três filhas.
Nas críticas que eu li, Man Tiger é frequentemente comparado a Gabriel García Marquez. Achei uma comparação um pouco preguiçosa, baseada no fato de que tem algo sobrenatural e se passa em um país que os críticos europeus e dos EUA descreveriam como exótico. A tigresa do romance é claramente um aspecto da cultura local, mas também tem um valor simbólico muito forte, como o que está dentro desse jovem geralmente tão tranqüilo, e não é exatamente realismo mágico.
As cenas domésticas me chamaram muito mais a atenção do que o sobrenatural. O jeito como ele fala dos rituais, descreve o dia-a-dia, e principalmente como ele fala do cotidiano violento da família, sempre sob as ameaças de Komar, são para mim o ponto forte do livro. Uma cena principalmente, que eu achei que tinha uma perspectiva de male gaze, depois é revisitada de uma forma muito profunda. Ele mistura a violência colonial com a masculinidade tóxica de uma forma maravilhosa.
É um romance curto, com cerca de 130 páginas, mas realmente maravilhoso, que eu recomendaria muito para quem tá procurando um livro indonésio.