Quando eu procurava pelo que fazer em Marrakech, a praça Djema-el-Fna aparecia em todas as listas, acompanhadas de superlativos. Era o coração pulsante da medina, a alma da cidade, um lugar que, de acordo com o Lonely Planet, só podia ter surgido por acidente, porque ela era fantástica demais para ter sido planejada. A praça é considerada patrimônio cultural intangível da humanidade, por causa da forma única como ali se expressam tradições musicais, religiosas e artísticas. Talvez por isso mesmo, eu passava pela praça pelo menos duas vezes ao dia e a cada vez parecia entender um pouquinho mais sobre o que a tornava tão mágica.
A primeira vez que passei por Djema-el-Fna foi de manhã, no dia em que cheguei em Marrakech. Passei de mochilão, ainda tentando achar o meu albergue, e já ouvi a música de flauta vindo de vários pontos da praça. Só quando quase dei de cara com um cara segurando uma serpente enorme, perguntando se eu queria tirar uma foto, é que entendi que eram os encantadores de serpente, uma das figuras míticas da praça. Por todo o lado eu os via, tocando a musiquinha repetitiva em frente a potes de barro de onde serpentes saíam se contorcendo. Também tinha muita gente com macacos acorrentados, muitos usando tutus ou camisas de futebol. Evitei as duas e nem tirei fotos para não ter que dar alguns dirhams, por que já ouvi muitos horrores sobre como esses animais são tratados, e que é o lado mais complicado da praça.
De manhã, a praça também estava cheia de herbalistas, as tais “farmácias bérberes” que também são muito comuns na medina, e para a minha surpresa, de dentistas. Vi vários com pilhas de dentes e dentaduras para demonstrar suas habilidades, mas, quando pedi, não me deixaram tirar uma foto. Não que eu precisasse de uma razão para achar que o dentista da praça não é o mais confiável, mas só falando que foi a única vez em que isso aconteceu no Marrocos. Aparentemente, eles são outra da figuras batidas de Djema el-Fna.

Já no primeiro dia não resisti a tomar o famoso suco da praça. Várias barraquinhas vendem suco fresco, de dezenas de tipos de frutas, todas à mostra. O de laranja custa 4 dirhams (em um copo de vidro, para tomar lá mesmo) ou 5 (em um copo de plástico). Se tem uma coisa que eu queria que tivesse em todo lugar é suco natural baratinho, então virou minha rotina na praça, passar lá para um suco de laranja ou de romã.
No primeiro dia também dei um giro pelas mesquitas da praça, só pelo lado de fora, porque a maioria das mesquitas do Marrocos está fechada para não-muçulmanos. Mas elas permitem que você dê uma espiadinha do lado de dentro, o que também se tornou um hábito no Marrocos. Uma das mesquitas que contornei assim foi a de Koutobia, que marca o limite entre a medina e a cidade nova. Ela é conhecida pelo minarete, tão alto que é visível em um raio de trinta quilômetros da praça, e dá para ver de qualquer terraço com vista para a medina (que são muitos). Nas horas de prece, o muezzin chama os fiéis, e é outro dos sons típicos de Marrakech.

Eu voltei de tardinha, e a praça era outra. Cheia de acrobatas, dançarinos, adivinhas querendo ler a sua mão, vendedoras de hanna que pegam a sua mão te dizendo como você é linda e começam o desenho antes que você consiga puxar a mão. Não vi os contadores de história em bérber e árabe, outra das tradições da praça, mas espero que ainda existam, e que estivessem só de folga para o inverno.

De noite, os animais, dentistas e performances dão lugar às barraquinhas de restaurantes. Por qualquer lugar que você passa tem alguém te oferecendo um menu ou te pedindo para lembrar o número, e garantindo que a barraquinha deles é a melhor, mais saborosa, ou simplesmente a que não dá diarréia.
Cada cliente que senta é uma festa, com os vendedores e os clientes cantando e dançando para comemorar. A praça não tem fama de ser o melhor lugar para comer, mas acho que muita gente vem justamente pela festa, pela atmosfera de caos alegre das barraquinhas. A maioria delas serve pratos parecidos, cuscuz, tagine, espetinhos, sopas de caracóis, harira, a sopa típica do ramadã, pratos simples mas bem feitos e bem temperados, e geralmente acompanhados de pão, azeitonas e molhos da casa.
Eu entendi porque continuam repetindo que a praça é o coração pulsante da medina, tudo passa por lá, e é só você se afastar um pouco para as pessoas assumirem que você tá perdida e se ofereceram para te levar de volta. E ficar lá perto, passando pela praça várias vezes por dia e vendo suas facetas, foi um dos pontos altos da viagem para o Marrocos. Super recomendo o espetáculo da praça, e comer nas barraquinhas pelo menos uma vez durante a viagem.

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