Volta ao Mundo em Livros – Ilhas Maurício – Eve Out of Her Ruins

 

Quando chegou a hora de ler um livro das Ilhas Maurício, descobri o livro Eve Out of Her Ruins, de Ananda Devi, por causa do prólogo escrito pelo ganhador do Nobel J. M. G. Le Clézio, cujo pai era da ilha. Como bom prefácio, ele entrega demais da obra, mas eu o li depois do romance e gostei de como ele pinta a atmosfera: “an island of violence and promiscuity, where teenagers have nothing to do but lie in ambush, zip around town on mopeds, pretend to be adults. It’s an island where girls are doomed from the start to become ‘turtles’—women crushed under their husband’s oppression—or to slide into the bottomless ravine carved by prostitution and drugs.”

O livro é narrado por quatro adolescentes em um bairro pobre de Saint Louis, a capital. A primeira que fala é Eve, que começa a se prostituir para outros adolescentes e professores da escola. A história de uma criança levada à prostituição nunca é algo leve e a autora não evita as passagens mais pesadas, mas ela também nos mostra como Eve consegue um pouco de empoderamento ao perceber que eles só usam o seu corpo, e que tem algo nela que é inacessível a eles, mas que ela oferece com prazer para a namorada, Savita. Ela sente que as duas juntas tem “a poesia das mulheres”, e que elas conseguem se fechar completamente do mundo. Mas ela também percebe que os homens ao redor odeiam esse lado dela que eles não conseguem comprar nem tomar à força.

 

Everything I learn leaves a wound on my body. That knowledge is painful and hard-won…It’s a joke to them. I’m all alone. Everyone else is an onlooker. I’m already feeling naked. I shut my eyes and bear it. I play the game. I’ll always be the one a man squints at from far off until his hands find me. Men’s hands take hold of you before having even touched you. Once their thoughts turn toward you, they’ve already possessed you. Saying no is an insult, because you would be taking away what they’ve already laid claim to. Like the hand snaking up my T-shirt, they need me to lift my skin so they can feel my organs, or even stop my heart from beating. Their urges won’t be constrained. Soon there’ll be nothing left to take but they’ll keep going anyway.

 

A segunda adolescente é justamente Savita, cheia de vontade de partir para um lugar com mais oportunidades, menos violência, mas indisposta a partir sem Eve.

O terceiro é Saad, um adolescente apaixonado por Eve e por Rimbaud, e se identifica com esses dois poetas de dezessete anos. Ele também é membro de uma gangue, “a moving, powerful, hot body that nothing can stop”. Ele a idealiza, mas tem medo de se destacar dos amigos, fica preso na mentalidade de multidão da gangue, e por isso os capítulos dele me davam pura angústia, medo do que ele ia fazer quando toda essa fantasia e essa masculinidade frágil colidissem.

Finalmente, o último narrador é Clelio, membro da mesma gangue de Sadiq. Ele espera pelo irmão que foi para a França há anos prometendo voltar para buscá-lo e imagina que o rumo novo que a sua vida pode tomar quando ele escapar do bairro. Para os outros, ele já é o menino marcado para passar a vida na cadeia.

É um romance curtinho, ao mesmo tempo muito pesado e marcado por prosas poéticas bem diferentes vindas de cada um dos narradores. A autora disse em uma entrevista que frequentemente, quando ela assina o livro para fãs, aparecem alguns dizendo que estão indo de férias para Maurício e por isso compraram o livro. Ela recomenda que eles viajem primeiro, e leiam o livro depois. Posso entender o motivo: ele acaba com  idéia de paraíso tropical e zomba dos turistas que passam por esses adolescentes sem saber das vidas deles.

Esse também foi meu livro para o Desafio Viaggiando, na categoria  de um livro que retrate a situação das mulheres.

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