A escolha de Belarus foi bem fácil. A Svetlana Aleksievitch é uma autora que tem feito muito sucesso desde que ela ganhou o Nobel em 2015. O comitê chamou os livros dela de uma obra polifônica, um monumento ao sofrimento e a coragem de seu tempo. A autora trabalha com histórias reais, e faz centenas de entrevistas para contar algumas das histórias que marcaram o seu país, Belarus: a segunda guerra mundial, contada pela perspectiva das mulheres e meninas que lutaram, a guerra do Afeganistão, o fim da União Soviética e, no caso do livro que escolhi para esse projeto, o acidente em Tchernóbil.
Tchernóbil sempre me fez pensar nas conseqüências que teve na Ucrânia, onde uma pequena parte do país ainda é uma zona restrita, com altos índices de radiação. O que eu não sabia é que a maior parte dos efeitos aconteceu não no país do acidente, mas na vizinha Belarus.
Cerca de um quarto da área total de Belarus foi afetada, contra menos de 5% da Ucrânia. Por quase dez anos a autora entrevistou testemunhas do desastre, bombeiros, suas famílias, camponeses, imigrantes, autoridades do partido comunista. Para muitos belarussos, foi como uma repetição da segunda guerra mundial, em que soldados vinham tirá-los de suas casas, obrigando-os a deixar tudo para trás, insistindo que não podiam levar leite, nem batatas, nem mesmo seus animais domésticos. Os nazistas destruíram 681 aldeias, a maioria queimadas, Tchernóbil destruiu 485.
No livro, vemos como as pessoas foram afetadas por esse desastre invisível, que elas não podiam compreender. Como sofreram preconceito por serem da área afetada. Lemos sobre imigrantes de outras regiões da URSS que, traumatizados por uma guerra e sem lugar no mundo, vão viver na área restrita. Sobre uma mulher que repreende um adolescente por não oferecer seu lugar no ônibus para os mais velhos, dizendo que ele devia pensar como vai ser quando ele for velho, apenas para ouvir dele que ele sabe que não vai ficar velho. Sobre como as abelhas permaneceram em suas colméias por dias.
Se você quiser ter uma amostra do estilo da escritora, a Piauí publicou a primeira entrevista, da esposa de um dos primeiros bombeiros a chegar ao lugar do acidente, grávida na época.
Apesar da formação da autora como jornalista, e do livro ser frequentemente referido como história oral, ele não pertence exatamente a nenhuma dessas duas categorias. Também não é um romance, embora a autora classifique seu trabalho como ficção, mas é algo intermediário, uma narrativa carregada de emoção que pretende fazer, como diz a autora, uma história das almas.