Volta ao Mundo em Filmes: Angola – Na Cidade Vazia

Quando eu estava procurando um filme para representar Angola, uma boa parte dos que pareciam interessantes eram da diretora Maria João Ganga, Acabei ficando com Na Cidade Vazia, seu filme de 2004. Ele foi o primeiro feito no país depois da Guerra Civil, e o primeiro na história dirigido por uma mulher.

O filme começa quando N’dala, uma criança de doze anos, é levado para Luanda. Os seus pais morreram durante os bombardeios, e um grupo de freiras trouxe várias crianças na mesma situação para um orfanato na capital. Mas logo no aeroporto ele dá um jeito de fugir, com a intenção de voltar para sua cidade natal, Bié. Ele diz que é onde seus pais morreram, logo eles estão no céu de Bié, e por isso não quer ficar em Luanda. A partir daí vemos duas histórias, as freiras que procuram por ele e N’dala que anda pela “cidade vazia”.

Ele logo fica amigo de Zé, um menino um pouco mais velho que lhe oferece a “hospitalidade” que pode oferecer: um lugar para dormir na casa de sua madrinha, em um prostíbulo. Para pagar o alojamento, essa madrinha exige que N’dala venda cigarros contrabandeados. Ele conhece muita gente andando pela cidade, e alguns realmente querem ajudá-lo, mas outros querem tirar vantagem dele, e a situação dele se torna a cada dia mais precária.

Zé está praticando para uma peça na escola baseada nas Aventuras de Ngunga, de Pepetela. Fiquei conhecendo a história do livro pelo filme, que deixa bem clara a sua importância na cultura angolana. O Ngunga é um personagem fictício que fica órfão aos treze anos, quando seus pais são assassinados, e se junta a guerrilheiros do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) para lutar contra o colonialismo – o livro foi escrito em 72, quando Angola ainda era uma colônia portuguesa. Conforme ele cresce, ele fica conhecido pelos padrões morais, por nunca contar uma mentira ou aceitar uma falsidade. Ele me lembrou bem de uns textos soviéticos que eu lia na aula de russo, que sempre tinham uma moral no final sobre como estudantes viravam adultos responsáveis quando eles se voluntariavam para passar as férias trabalhando em fazendas coletivas.

No filme, eles mostram muito os paralelos entre Ngunga e N’dala, começando com os fatos de que são ambos do leste e ambos ficaram órfãos muito novos quando seus pais foram assassinados. Mas a comparação é melancólica – N’dala não é adotado por uma irmandade, não vemos ele crescendo para se tornar um parágono de virtude, pelo contrário, vemos a infância dele sendo tirada dele, e essa não é mais a Angola otimista, que intelectuais achavam que seria construída por pessoas como Ngunga. Essa é a Angola pós guerra civil, e o simples fato dessa narrativa otimista e moralista ser contrastada com a situação de uma criança órfã na rua serve para subvertê-la.

Eu gostei bastante do filme por isso, por como nos mostra um pouco da história e da cultura de Angola e nos faz enxergar as duas contradições. Foi meu primeiro filme do país, mas já me recomendaram alguns outros, e todos dessa diretora parecem interessantes.

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