Como é ser uma mulher viajando sozinha no Marrocos

Eu achei que viajar pelo Marrocos seria fácil, porque quando li sobre o país, li os mesmos avisos que tinha lido sobre a Turquia, e viajar pela Turquia foi fácil. No Marrocos, vi bem mais assédio, e isso limitou a minha vontade de ir em alguns lugares ou de sair à noite. E eu viajei no inverno, coberta dos pés à cabeça, o que, ao contrário do que gente babaca acha, não impede nada. E também acontece com marroquinas e também as impede de se movimentar como gostariam, segundo todas as mulheres com quem conversei.

Em duas semanas e meia de viagem, vi assédio na rua todos os dias, e por isso entendo mulheres que evitam o Marrocos para não lidar com isso, ou porque elas querem férias tranquilas. Mas só vivi uma situação em que me senti ameaçada, e por isso não acho que é um país que mulheres devem evitar. Vi muitas mulheres viajando sozinhas, a maioria sofrendo incômodos mas vivendo experiências maravilhosas e saindo do país pensando que foi uma viagem incrível. Vou colocar aqui as minhas desventuras em série, mas é porque eu acho que elas podem ter valor para quem quer se preparar para viajar, e não para desencorajar. 

Assédio de vendedores

Andar na rua é passar pelos mercados. Eles estão espalhados para todo lado. E muitas das lojas eram maravilhosas, então eu pedia para os donos se eu podia tirar fotos. Todas as vezes que eu pedi, responderam que claro, que as fotos eram gratuitas, alguns me mostraram o interior das lojas, e nunca tive problemas. No máximo me davam o cartão, se eu quisesse voltar para olhar “sem compromisso”, para “tomar um chá de menta”. Passando pelas lojas, alguns vendedores me chamavam, mas a maioria parava no primeiro “não, obrigada” (em árabe não obrigada é “lah, shukran”). Alguns vendedores e principalmente donos de restaurantes foram bem insistentes, e eu tentava continuar sendo educada e me lembrar que esse é o trabalho deles, mas às vezes não aguentei e os deixei falando sozinhos.

Os moços que ficam na porta de restaurantes com menus realmente perseguiam a gente, repetindo os mesmos bordões “just look!”, “don’t panic, it’s organic”, “see you later, alligator”, e por mais que eu entenda porque eles fazem isso, queria que entendessem o quanto me dá vontade de ir em outro lugar. A maioria das noites em que eu saía para jantar com o povo do albergue, nós parávamos no primeiro restaurante que não tivesse ninguém na porta com o menu nem só homens nas mesas, o que também era bem comum. Acho que esse era um problema das medinas, mas nem sempre dava para andar até a cidade nova para comer.

Eu ouvi muitas histórias assustadoras sobre pessoas que receberam muita pressão ou até foram trancadas dentro da loja para comprar algo depois de olhar um pouco, e acho que vale a pena compartilhar. A maioria das histórias ruins envolvia os curtumes em Fez e Marrakesh, e era só chegar perto deles para ver os vendedores e guias mais insuportáveis. É um passeio que ficou tão desagradável, e que no final seria para mim só por uma foto, que preferi nem ir.

As vendedoras de henna também são muito insistentes. Elas pegam na sua mão enquanto conversam, falando para você voltar depois e lembrar dela e você acha que é só isso. Quando você nota, ela já está passando henna na sua mão. Aconteceu comigo no meu primeiro dia no Marrocos, e eu dei um grito e puxei a mão, porque eu tinha lido várias reportagens sobre pessoas que tiveram queimaduras sérias depois de usar henna de baixa qualidade. Praticamente saí correndo para voltar para um lugar com internet e procurar “como tirar henna da minha mão” no google, embora fosse só um pontinho (pasta de dente, nem tudo saiu, mas a minha mão ficou bem). Aconteceu o mesmo golpe com quase todas as mulheres do meu albergue. Algumas não foram tão rápidas em tirar a mão, que as moças seguram com uma força que quem tá de fora não imagina, ou acreditaram quando ela falou que ia fazer uma pequenininha, de presente, para a cliente voltar depois. Depois elas pedem dinheiro, e vi casos de mulheres que imploraram, falando que tinham que alimentar os filhos, e outras que passaram a mão na henna, deixando a menina com um borrado marrom na mão por dias.

“A praça é para o outro lado”

Quando eu vim para o Marrocos, li muito sobre o golpe do guia. Basicamente, você pede direções, alguém fala que está indo para aquele lado, oferece para te levar lá e depois cobra pelos serviços de guia. E muita gente paga porque o “guia” começa a ficar muito inconveniente ou mesmo ameaçador. Isso é muito comum e chegaram a me dizer que ninguém ia me dar direções sem esperar pagamento.

Não foi essa a minha experiência. Quando eu estava olhando para o celular com cara de quem acabou de ver o ponto azul do Google maps desaparecer e reaparecer do outro lado da Medina, sempre tinha alguém que perguntava se eu precisava de ajuda ou já apontava para que lado ficava a atração principal lá por perto. Vendedores também muitas vezes ofereciam direções, completando para depois eu voltar que eles ofereceriam um chá de menta ou fariam “preços de marroquinos” ou “preços de estudantes”. Às vezes alguém me oferecia um flyer, ou falava para eu passar no “restaurante do meu tio” ou na “farmácia do meu amigo que vai te mostrar todos os remédios tradicionais Berberes, só para ver, não precisa comprar nada”, mas geralmente sem insistência, com educação.

Mais estranho era quando eu estava andando resolutamente para um lado e alguém gritava “a praça é para o outro lado”. Eu geralmente agradecia e continuava andando e pronto. Mas algumas vezes eles começaram a me seguir depois disso. O roteiro era mais ou menos esse:

  • A praça é para o outro lado (em francês).
  • Obrigada
  • A praça é para o outro lado (em inglês, porque obviamente eu não devia ter entendido).
  • Obrigada
  • BIG SQUARE OTHER WAY (bem devagar para ver se agora eu entendia. Eu começava a ignorar). Italiana? Francesa? Espanhola? Inglesa? Americana? Alemã? Canadense? Não tem nada de interessante desse lado! Para que você tá indo para cá? A medersa? A medersa está fechada. Eu te levo em um lugar mais interessante. Tem um mercado local, só hoje, você chegou na cidade no melhor dia. É único. Eu não sou um guia, sou só um estudante tentando melhorar meu inglês, não vou te cobrar nada. Quero só te mostrar a hospitalidade do Marrocos.

As vezes eu tinha que dar uma volta de 180 graus e ir embora para escapar desses. Uma vez alguém me disse que esses primeiros obrigadas encorajavam os assediadores, mas teve gente que me seguiu não importa o que eu fiz (mais uma vez me mostrando na prática que não é o que a gente faz que determina esse comportamento). Tentei ignorar, responder em árabe, responder em russo fingindo que não falava inglês. Só faz diferença para quem tá tentando ajudar honestamente, quem tá tentando te assediar vai em frente de qualquer jeito. A pior parte é que às vezes a gente acaba ignorando alguém que tá realmente querendo ajudar, por medo de golpe ou só porque a gente cansa e quer andar em paz um pouco. Eu sempre gosto de conhecer gente local, e tive que me esforçar em dobro para fazer isso no Marrocos sem cair em golpes – mas consegui conhecer pessoas realmente hospitaleiras e valeu a pena.

Também é bom mencionar que algumas pessoas ficam mais do que felizes de pagar alguns dirhams para serem orientadas no caos das medinas. Acho que é em parte por isso que eles te seguem. Na cultura da barganha, muita gente interpreta falta de interesse como uma tentativa de conseguir um preço melhor. Se você realmente quer um guia, combine o preço antes, e é melhor se você tiver trocado.

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Dentro do Hostel

Quando eu estava em Marrakech, fiquei no Majorelle Hostel. Nos primeiros dias, tive uma ótima impressão dos funcionários, sempre fazendo chá de menta e oferecendo recomendações para os hóspedes. Até reservei com eles o meu tour pelo deserto, mas eu queria começar em Ouarzazate, que eu queria ver com calma, não em Marrakech, então o dono pegou o meu telefone para que a van pudesse me buscar no meu próximo hostel.

No último dia, ele falou comigo e com uma amiga que nós éramos especiais, e nós discutimos se ele estava passando um limite ou era só uma diferença cultural. Aí ele me disse que nós éramos doces e jovens, não como as canadenses do nosso quarto, porque mulheres velhas são amargas. Eu respondi que elas tinham 25 anos e eu tinha 29, e ele respondeu “mas você não parece”. Quando eu fui embora, ele começou a me mandar muitas mensagens no WhatsApp. Primeiro ele ficou pedindo para eu dar um bom review para o hostel no hostelworld, mas para dar screenshot e mostrar para ele antes. Ele pediu várias vezes. Aí ele começou do nada a me mandar mensagens cheias de corações, falando que ele estava pensando em largar o trabalho para ir comigo para o deserto, para a gente ver as estrelas juntos. Eu respondi na hora que era melhor não e estava quase cancelando o tour e perdendo o depósito, com medo de me ver sozinha no deserto com esse cara. Ele começou a falar que ia dirigir até Ouarzazate para me ver e voltar para Marrakech (cinco horas cada perna). Comecei a mandar mil perguntas, sobre quantas pessoas estavam no tour e quantas mulheres, e ele respondeu que eram dezoito pessoas, inclusive duas canadenses (outras) do albergue. Ele ter falado que eram canadenses me deixou mais calma porque canadenses costumam ser tão simpáticas. Eu pensei que no pior dos casos, se ele aparecesse no tour, eu ia mandar tudo para o inferno e perder os vinte euros. No dia ele continuou me mandando mensagens falando que estava dirigindo para Ouarzazate e para eu não entrar na van antes de ele chegar, e depois ele confessou que nem tinha saído de Marrakesh. Fiquei pensando se ele achava que estava sendo romântico, enquanto eu pensava em chamar a polícia. Finalmente a van chegou, sem ele e com várias outras viajantes, e pude seguir viagem tranquila. Aliás, conversando com as canadenses, descobri que ele tinha me cobrado mais que delas pelo tour.

A música ao redor da fogueira no Tour no Deserto

No tour do deserto, teve ainda outro problema. Quando passamos a noite no deserto, tinham nos prometido um passeio de duas horas de camelo até uma vila bérbere isolada, onde os locais tocavam música em torno da fogueira toda noite. Não acreditei que seria tudo isso pelo preço que eles estavam cobrando, e não foi. Mas os guias realmente tocaram tambores em torno de uma fogueira, embora tenha sido principalmente Shakira. Mas notei uma rotina: eles chegavam do lado das mulheres viajando sozinhas, falavam que iam nos ensinar a tocar o tambor, perguntavam duas ou três coisas sobre a gente, e começavam a passar a mão. Conversando com os donos dos albergues depois desse, vi eles fazendo piadas com os tours que prometem música no deserto, mas os guias ficam o tempo todo passar a mão nas coxas das européias. Sinceramente, pelo tanto que eu ouvi sobre isso, vi que é ridiculamente comum.

Assédio na rua

De longe, o lugar onde isso mais aconteceu comigo foi Tangier. Eu andava na rua e passavam caras me comendo com os olhos e falando “chica buena!”. Que nojo. Em um momento, eu estava tirando fotos de uma praça quando um cara veio andando na minha direção de uma forma super agressiva. Eu dei um passo para o lado e parou perto de mim, olhando uns cartões postais na loja atrás de mim. Eu estava tentando tirar uma foto da praça e ele deu um passo para trás, bloqueando a câmera. Eu achei que ele não tinha visto que eu estava tirando a foto e dei um passo para o lado, e aí ele fez de novo. Eu andei cerca de meio quarteirão e parei em um lugar mais movimentado para ver se ele ia me seguir. Ele veio atrás de mim e dessa vez veio meio sussurrando em árabe. Eu entrei em um café perto e falei com o garçom que eu estava sendo seguida, e pedi se ele poderia chamar a polícia, bem alto para o cara ouvir. Na verdade eu não tinha ideia se a polícia seria útil, mas achei que só de me ver falando com um homem, talvez ele fosse embora. O garçom saiu do café gritando em árabe e o cara realmente foi embora. Eu fiquei lá um pouco para garantir que ele não estava por perto, e o garçom ainda me trouxe um chá por conta da casa, dizendo que era para adoçar o dia que tinha começado mal.

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Algumas frases úteis para lidar

Je veux seulement me balader – Quando eu ouvia os onipresentes “a praça é para o outro lado” ou “essa rua é sem saída”, eu geralmente respondia em francês que estava só passeando, às vezes apontando para a câmera. A maioria das pessoas me deixava em paz depois disso, embora alguns guias continuassem insistindo que iam me levar para um lugar mais fotogênico.

Lah, shukran – não, obrigada em árabe.

Hshuma alik – vergonha, em árabe. É um conceito forte na cultura muçulmana, e costuma funcionar quando alguém está te importunando.

Sir f halek – vá embora

Sir tsawed – vá embora ofensivo

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