Como encontrar uma boa vaga para fazer trabalho voluntário com a AIESEC

O primeiro post aqui do blog foi o relato do meu intercâmbio em Praga com a AIESEC. Desde então, recebo perguntas aqui e principalmente no Instagram sobre como encontrar uma boa vaga. Muitas das pessoas que falam comigo conhecem pessoas que tiveram experiências maravilhosas, mas também pessoas que tiveram experiências péssimas, como a de chegar e descobrir que sua vaga não existe, ou ficar em um trabalho em que você sente que não tá fazendo nada. Como a AIESEC existe em 120 países, realmente existe uma diferença de qualidade enorme entre um projeto e outro, e por isso é importante achar a melhor vaga para você.

As dicas aqui são baseadas nas minhas experiências procurando vagas e trabalhando na AIESEC ajudando pessoas a procurar vagas e na minha experiência com o Projeto Edison em Praga. Por isso, estou falando do intercâmbio para fazer trabalho voluntário, não do profissional, que também é uma opção lá.

 

Saiba o que a AIESEC é

A AIESEC é uma ONG fundada depois da Segunda Guerra Mundial com a intenção de promover a paz mundial. Toda vez que eu falava isso em uma apresentação, eu me sentia como se eu estivesse planejando um discurso para concorrer a miss. Porque é um objetivo tão grandioso que parece irrealizável. Mas depois entendi melhor porque eles promovem intercâmbios como forma de chegar nisso – eles acham que para mudar o mundo, primeiro você tem que entendê-lo, e por isso eles querem oferecer experiências desafiadoras que te desenvolvam como um líder. Sinceramente, para mim só fez 100% se sentido quando eu tava lá, mas depois parecia tão óbvio que eu comecei a falar nisso com todo mundo, do quanto tinha mudado minha vida. Por isso que tem uma piada interna de que AIESEC é um culto.

A maioria dos projetos são baseados nos Global Goals, as metas de desenvolvimento sustentável estabelecidas pela ONU, então é importante conhecê-las.

 

 

E o que a AIESEC NÃO é

NÃO é a fórmula mágica para viajar de graça. Você tem que pagar a taxa da AIESEC, que é uma ONG e tem que sustentar escritórios no mundo inteiro, as passagens de avião, o seguro-saúde, e mais. Fica barato pelo que é, pelo tempo que você vai passar fora, mas a maioria das pessoas ainda gasta em torno de 10 mil.

NÃO é uma agência de viagens. Se você quer conforto e alguém organizando tudo da sua viagem por você, tá no lugar errado.

Trabalho voluntário Praga edison fazendo amigos cesky krumlov

Considere suas prioridades

Você quer melhorar seu inglês? Fazer amigos? Ajudar uma comunidade? Entrar em contato com uma cultura pela qual sempre se interessou? Engajar-se em uma causa que te fascina? Melhorar o currículo? Qualquer objetivo é válido, mas foque-se nas prioridades para achar uma vaga que realmente é a melhor para você.

 

Considere seus pontos fortes e fracos

Não adianta só querer muito um lugar. Ele também tem que ser adequado para os seus pontos fortes e fracos. Se você não fala inglês, por mais que você sonhe em ir para o sudeste asiático, não dá. Tem que ser um lugar na América Latina. Se você tá com medo de viajar sozinha, ou não tá preparada para o choque cultural, escolha um lugar menos diferente, como a Europa. Aliás, se é a primeira viagem, ou primeira viagem solo, recomendo muito a Europa e América Latina.

Também é bom você considerar isso para saber quais vagas são apropriadas para você. Se você ensina inglês há anos, pode ficar responsável por uma turma, mas se você nunca ensinou na vida, a melhor vaga para você é uma em que você vai ajudar a organizar atividades, sendo um complemento ao professor principal. Colocar alguém sem experiência em uma responsabilidade grande mostra que o projeto lá não é regular e consistente, e tem menos chance de que a sua intervenção traga resultados duradouros.

 

Explore muito o site

O site da AIESEC tá longe de perfeito, mas use-o muito. Existem milhares de vagas no sistema, e explorar muito o site vai te ajudar a encontrar aquela que se adequa ao seu perfil. Falando em perfil, se você quer conseguir uma boa vaga, preocupe-se em ter um perfil atrativo. Ter fotos e várias experiências pode ser um diferencial na hora de chamar alguém para preencher uma vaga, principalmente uma vaga concorrida.

 

Seja flexível

Muitas vezes, as pessoas chegam na AIESEC com uma idéia muito específica da vaga ideal que querem. Por exemplo, chegavam muitos alunos de medicina falando que queriam trabalhar com saúde na Europa, onde praticamente não existem vagas assim. Para encontrar uma vaga, flexibilidade é essencial. Muita gente que chegava nesse clima acabava sendo voluntário em escolas públicas na Colômbia, um dos países que mais recebem brasileiros – e amando.

Pode parecer o contrário de considerar as prioridades, mas não é. Muitos dos alunos de medicina que chegavam assim queriam melhorar seu currículo, mas qualquer trabalho voluntário nos enriquece e nos dá habilidades para a vida profissional. Então a questão era de qual era a prioridade maior. Fazer um trabalho ligado à medicina sabendo que tem poucas vagas e elas não são nas condições exatas que eles buscam, ou procurar uma vaga diferente?

Trabalho voluntário Praga edison nós sendo colocadas em fogo

Pesquise a cultura do lugar

É muito importante saber as regras de educação em um lugar, e mostrar interesse pela história e cultura é sempre bem vindo (mas costuma ser melhor não tocar em eventos recentes polêmicos ou dolorosos, como uma guerra).

Mesmo se você for fazer um projeto de igualdade de gênero, por exemplo, não quer dizer que vai mudar completamente a cultura do lugar em seis semanas. Na verdade, alguns dos lugares que mais precisam desses projetos são lugares onde mulheres não podem se vestir como querem e onde não é seguro andar nas ruas sozinhas, e onde você infelizmente vai ter que seguir essas regras também. Pesquisar é fundamental para o próximo item, ajustar suas expectativas.

 

Ajuste suas expectativas

Essa é uma das partes mais importantes ao se preparar para um intercâmbio. Sinceramente, eu fui para um lugar extremamente organizado e estruturado e com uma cultura de hospitalidade, mas na maioria dos intercâmbios, as coisas não vão ser tão confortáveis.

A AIESEC da Tailândia, por exemplo, faz questão de mandar emails para os voluntários deixando claro antes que eles tentem a vaga que eles não vão viver em bangalôs à beira da praia. Pelo contrário, a maioria dos intercâmbios são em áreas rurais, onde, na pior das hipóteses, vão ser seis semanas tomando banho de caneca, usando banheiros que são basicamente um buraco no chão e dormindo em esteiras finas. Nada disso é um grande problema, e na verdade seria até injusto esperar um conforto que os locais não têm. Mas é ótimo que eles fazem questão de te contar o que é a realidade do lugar antes para que você chegue sabendo. Nem todo lugar vai te contar tudo, e às vezes você tem que procurar por conta própria.

Essa é a conseqüência de pesquisar o lugar, você se ajusta ao saber o que é a vida naquele lugar. Também é importante ser orientado para soluções e pouco acomodado, ou querer ser assim.

Trabalho voluntário Praga edison eleição dos líderes dos times

Pesquise sobre a AIESEC que vai te receber

Saber se a AIESEC local te dá apoio lá se você precisar é provavelmente a parte mais importante de achar uma boa vaga. A AIESEC Praga nos deu muito auxílio antes de chegar lá, respondendo a todas as nossas dúvidas e mandando documentos para serem apresentados na imigração. Quando chegamos, tivemos uma semana de cursos para nos preparar para dar aulas, com sessões sobre como prender a atenção dos alunos, como dar e receber feedback, sobre cultura local e atividades de team building. Também elegemos líderes para ter um contato maior com a AIESEC.

Toda semana tínhamos reuniões para discutir o andamento do projeto, e eles também nos levaram no primeiro dia em todas as escolas.

Os voluntários responsáveis por nós deixaram bem claro que estavam disponíveis para tudo que a gente precisasse, mesmo para ser um ombro para chorar se a gente ficasse com saudade de casa. Por isso, quando tivemos problemas que não tinham nada a ver com a organização, como uma menina que se machucou caindo no gelo e outra que teve a carteira furtada, nós tivemos confiança de pedir ajuda, e eles fizeram tudo que estava ao alcance deles.

Não só todo esse apoio fez a gente se sentir bem, mas sinto que eles fizeram muito para que nós realmente nos desenvolvêssemos como líderes. A AIESEC acredita que o intercambista vai desenvolver a liderança por quatro fatores: ele vai se conhecer melhor, tornar-se capaz de empoderar os outros, se tornar focados em resolver problemas e ser cidadãos do mundo. Eu senti que me desenvolvi em todos esses requisitos, graças à ajuda deles.

Infelizmente, não é essa a experiência de todo mundo. Já vi muita gente fazendo reclamações sérias para comitês da AIESEC que não ligavam. Já li blogueiros que tiveram experiências horrorosas. Por isso é muito importante saber se esse é um comitê que apoia seus intercambistas ou não.

 

Procure por pessoas que já foram para lá

Freqüentemente recebo mensagens aqui, no Instagram e no Mochileiros de pessoas querendo saber mais sobre minha experiência em Praga. É a melhor forma de saber se os projetos costumam acontecer como descritos, se a AIESEC local dá apoio a seus intercambistas.

Procure relatos no google, e peça para seu EP Manager (a pessoa da AIESEC responsável por te ajudar no processo) a encontrar alguém que já foi para lá. Existem grupos de EP managers no Brasil, e eles provavelmente encontrarão alguém que possa falar com você.

 

Encontrou uma vaga que te agrade? Pesquise para a entrevista

Geralmente, o processo de seleção para uma vaga da AIESEC passa por uma entrevista por Skype. Às vezes tem algo antes, como um blank paper challenge, o desafio de responder uma questão usando apenas uma folha de papel, que podia ser com um texto, um desenho, colagem, origami, etc. Para ir para Praga, tivemos que responder a questão “Can you dream of things that never were?”

Depois, na entrevista, perguntaram por que escolhi essa vaga e essa cidade, minhas qualidades e defeitos, e me fizeram algumas perguntas práticas, como o que eu faria se os alunos não estivessem prestando atenção na aula.

A entrevista causa nervosismo porque as pessoas acham que serão avaliadas pelo inglês como se fosse uma prova, que vão olhar se sua gramática é perfeita, enquanto eles só querem saber se você dá conta de se comunicar. Mesmo as perguntas sobre o que eu faria em sala de aula não eram as mais importantes, porque eles nos deram um curso de uma semana antes de nos mandarem para a sala de aula. O que mais importava era mostrar engajamento, mostrar que eu tinha pesquisado sobre a cidade, a AIESEC e a vaga, e que eu já tava pensando no que eu queria apresentar para os estudantes. Se você tá tentando uma vaga concorrida, é importante mostrar que você pesquisou e que você está pronta para o desafio.

Trabalho voluntário Praga edison provando comidas diferentes

Preste atenção no que é ofertado e dê screenshots

Não assuma que a vaga providencia acomodação e algumas refeições, embora seja o caso para a maioria. Algumas não podem oferecer nada, algumas oferecem até mais. Sempre cheque tudo, e, se aceito, tire screenshots da página inteira como comprovante.

A partir do momento que você resolver fazer a entrevista e estiver em contato com a AIESEC de lá, confirme tudo, pergunte sobre taxas extras, sobre suas responsabilidades. Falar suas dúvidas na entrevista também é uma forma de mostrar interesse.

 

Tenha um Plano B

Infelizmente, tem vezes em que a AIESEC deveria te ofertar algo e isso não acontece. Uma das maiores queixas que recebíamos era sobre acomodação, que às vezes era muito longe do trabalho, não tinha água quente, era em um lugar em que a pessoa se sentia insegura, etc. Algumas vezes, tem como consertar isso. Uma amiga minha em Praga ficou em uma fazenda sem água quente fora da cidade, e quando pediu, arranjaram outra vaga em um dia. Outras, o voluntário acostuma com algo que no fim não é essencial. Em outras, o comitê não faz isso, ou por falta de vontade ou porque não tem como mesmo. Eu tinha lido alguns relatos assim, e levei dinheiro o bastante para pagar um hostel barato pelo tempo inteiro do projeto se fosse necessário (não foi, mas me deu paz de espírito). Também é bom fazer amigos dentro do comitê da AIESEC de lá, se for grande, e tentar fazer amigos locais. É paia, porque é algo que você deveria ter, mas às vezes ter um plano B é o melhor que você faz.

Falo o mesmo para se você chegar e seu trabalho não existir. Contate a AIESEC, tente se transferir para outros projetos, fale com outras ONGs, junte-se com os outros voluntários, descubra as qualificações de cada um e crie seu próprio projeto. De novo, é paia, é um perrengue pelo qual você não deveria passar, mas pode acabar sendo uma experiência incrível.

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Nós em Cesky Budejovice

Não entre em pânico

Muitas vezes, quando eu mandava alguém para fora, a pessoa passava a primeira semana absolutamente miserável. E claro, quando é algo sério, a gente entrava no meio e tentava resolver. Mas muitas vezes a pessoa só dizia “aqui todo mundo é sem educação e ninguém entende o meu sotaque, eu não entendo o que eu deveria estar fazendo no trabalho, não vou fazer diferença nenhuma”. E nesses casos a gente só tentava acalmar a pessoa, porque a gente sabia que isso era o choque cultural. E 90% das vezes na segunda semana a pessoa nem mandava notícias mais, e quando a gente perguntava, eles estavam amando.

Então se você estiver fora do país e odiando seu intercâmbio, respira fundo e continua tentando.

Todo mundo é sem educação? O que significa ser sem educação é diferente em cada lugar, e muitas vezes as pessoas estão agindo normalmente, mas a gente tem que aprender a ver isso. Em outras a gente que tá sendo rude e nem sabe. Em Praga, por exemplo, é muito sem educação não tirar os sapatos quando você entra na casa de alguém (mesmo que eles te digam que é ok) ou chamar o país de Leste Europeu. Na Europa toda é mal educado ficar chamando o garçom o tempo todo igual a gente faz aqui. Por isso, de novo, é bom pesquisar muito antes de viajar.

Ninguém te entende? Tente falar devagar, pronunciando bem as palavras, e aprender um pouquinho da língua local. Às vezes são eles que não falam muito inglês mesmo. Palavras como “bom dia” e “com licença” fazem uma grande diferença.

Não sabe o que você deveria estar fazendo? Se é a primeira semana, não se preocupe, você vai pegar o jeito. Não sei quantas vezes falei com pessoas desesperadas achando que não saberiam falar com crianças, que eram tímidos demais para se apresentar em público ou que o inglês deles não ia ser bom o bastante, e logo depois já estavam conquistando essas habilidades.

 

Aceite que a maior diferença pode ser em você

Sinceramente, acho que meu intercâmbio fez diferença na vida das crianças que visitamos. Não pelos fatos sobre o país que eu falei, porque a essa altura aposto que pouquíssimos ainda lembram a capital do Brasil. Mas acho que a importância do projeto foi mais de eles conhecerem gente do mundo inteiro, de postarem fotos no instagram com legenda “eu e minha amiga do Brasil”, de perguntarem qual era minha matéria preferida, minha cor preferida, se eu tinha animais de estimação e criarem uma conexão. É essa parte que eu espero que eles lembrem quando alguém falar sobre ”as pessoas do terceiro mundo”, “os muçulmanos” ou “as minorias”. Eu conheci um membro da AIESEC de lá que entrou justamente porque tinham feito esse projeto na escola dele e ele tinha ficado apaixonado, o que me fez incrivelmente feliz e mega determinada a dar boas aulas.

Mas sei que a intenção maior da AIESEC é desenvolver o voluntário, e acho que isso é incrível. O projeto realmente me transformou e me desenvolveu, além de me dar a confiança para fazer o que eu quero. Só ter amigos em todos os continentes já me desenvolveu como pessoa. Eu sei que a gente quer acreditar que mudou para sempre a comunidade que nos recebeu, até porque isso parece a única forma justa de pagar o acolhimento que a gente recebe, mas é muito difícil que isso aconteça em seis semanas. Voluntariado de curta duração é sobre o voluntário. É sobre expandir nossas mentes, nos ensinar do que somos capazes, e nos dar a confiança para continuar fazendo a diferença em outras áreas. Isso pode parecer meio egoísta, como assim o trabalho voluntário é para melhorar você, mas se a as ONGs que organizam trabalhos voluntários conseguirem atingir metade das pessoas que eles pretendem, vão ser milhões de jovens prontos para fazer a diferença, e isso é um impacto incrível no mundo.

 

3 comentários

  1. Silvia

    Oi, Julia, obrigada pelas dicas. Eu tava pensando em fazer um intercâmbio com a AIESEC, mas depois que li a reportagem do Intercept, estou na dúvida. Você viu isso?
    Acho que suas dicas são boas para a maior parte das vagas, mas para problemas tão grandes quanto os que aconteceram com as pessoas do artigo, não sei. Você acha que vale a pena tentar mesmo assim?

    1. Julia Boechat

      Oi Sílvia, tudo bom? Você tem razão, para os problemas maiores que apareceram na reportagem, minhas soluções não ajudam. Mas ainda acho que vale a pena fazer um intercâmbio com a aiesec, só acho que você tem que procurar sozinha informações para garantir que seu intercâmbio vai acontecer. Procura saber sobre o lugar para onde você tá indo, como é a aiesec lá e tenha um plano b (e seguro saúde!!). Depois me conta se você resolveu tentar ou não.

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