Quando o prêmio Nobel de literatura de 2021 saiu para Abdulrazak Gurnah, um autor da Tanzânia, resolvi que o país merecia pular a fila. Fiquei com muita vontade de ler algo dele, e ele já estava na minha lista como um autor sugerido para a Tanzânia, então resolvi unir o útil ao agradável.
Vários romances dele pareciam interessantes, mas resolvi ler Desertion. O romance começa em 1899, quando Hassani, dono de uma pequena loja em Zanzibar, encontra um inglês passando mal na rua. Ele acha primeiro que o homem é uma aparição, e depois pensa que seria melhor deixar que um dos ricos da ilha tome conta dele, mas decide que é sua obrigação como muçulmano cuidar de um desconhecido doente. Como no good deed goes unpunished, ele é acusado por outro europeu de ter roubado e tentado assassinar o hóspede. Quando o inglês, Martin Pierce, recupera os sentidos, ele tenta reparar o dano, e acaba se apaixonando no processo pela irmã de Hassani, Rehana. Rehana é cercada de escândalos, já que o pai dela era indiano e ela foi abandonada pelo marido, também indiano, e quando a relação com um europeu se soma a isso, ela é forçada a abandonar a cidade.
No meio da história, começamos a descobrir mais sobre o narrador, Rashid, que abandonou Zanzibar anos antes, enquanto ele nos conta outra história de amor, a do seu irmão, Amin, com Jamila, outra mulher cercada por escândalos, para começar, o de ser uma descendente da relação proibida entre Martin e Rehana. Eles crescem na Zanzibar dos anos 50, na época da independência da Inglaterra, quando a elite omani do lugar foi expulsa do país. Com tudo isso, dá para sentir muito no texto a nostalgia de um autor por um mundo que não existe mais, por uma mescla de pessoas, línguas e culturas que era única. As relações me pareceram quase idealizadas no início do livro, cheias de um romanticismo, começando na própria profissão de Martin Pierce como um orientalista. E quanto mais a relação é revisitada nos olhos de Rashid, morando em uma Inglaterra onde ele recebe o tratamento reservado para imigrantes africanos e muçulmanos, mais ele vê as ligações entre esses casais e o colonialismo inglês em Zanzibar. Com isso, fiquei pensando muito sobre o título, Desertion, e achei uma resenha escrita pela Laila Lalami que expressou tudo o que eu queria dizer sobre ele:
“The desertion of the title should, by now, be fairly straightforward. White men desert their native lovers, Muslim men desert liberated partners, and young, educated men desert Zanzibar for the comforts of Britain. But there is another kind of desertion that haunts the novel: the British colonial experience. Indeed, Gurnah seems to suggest that Britain “deserted” its colonies, like the islands of Zanzibar, before the time was right. In a postcolonial novel this might seem like a startling assertion, but it is not new to Gurnah. One of the main characters in By the Sea remarks that he married in 1963, ‘a year before the British departed in a huff and left us to the chaos and violence that attended the end of their empire.’ Gurnah appears to fault the British for not living up to their responsibilities, for disrupting a social order without being asked and then leaving the resulting problems for others to solve. One could even argue that the disjointed narrative in Desertion is deliberate, that it is Gurnah’s way of reflecting a world in which relationships between people, between countries, are interrupted before they have run their course. Seen in this light, the novel has a staying power that belies its quietness.”
Já vi por esse romance por que o Gurnah é tão amado, e por que seu Nobel foi tão celebrado. Quando ele ficou sabendo do prêmio, ele respondeu que ele gostaria mesmo de ter mais leitores, e acho que em breve isso será possível no Brasil, já que já estão preparando traduções de seus romances. Zanzibar me parece muito interessante desde que eu fiz uma aula sobre o Oceano Índico, e a atmosfera desse romance foi perfeita para aprender mais sobre a ilha, e, por isso, foi uma escolha perfeita para a Tailândia.