Volta ao Mundo em Filmes: Líbia – Freedom Fields

Não foi fácil encontrar um filme para representar a Líbia. O cinema do país tinha produzido poucos filmes antes da ascensão do ditador Gaddafi, e ele tomou controle completo da produção de cinema do país entre 1969 e 2011. Dessa época, conseguimos achar uma cinebiografia dele, super elogiosa, é claro, e alguns épicos religiosos. Desde então, houve tentativas de criar cinemas no país, mas ele ainda tem apenas uma sala de cinema, que é só para homens, e passa principalmente filmes de ação para as milícias do país.
Então perdi a esperança de achar um longa de ficção, e resolvi ver um documentário sobre o país nos dias de hoje, Freedom Fields, de Nahiza Arebi, uma diretora líbia-britânica.
O filme segue um grupo de mulheres que tenta formar um time de futebol feminino. Nos dias de hoje, isso ainda é um desafio imenso. A gente vê um iman que reclama das jogadoras, que “tem que jogar com as pernas nuas”. Elas têm que enfrentar os fanáticos que querem que a sharia seja aplicada no país, bem como a oposição mais “bem-intencionada” das pessoas da família que acham que elas são rebeldes demais e estão colocando o próprio futuro em risco sem ganhar nada com isso. A federação nacional de futebol se recusa a deixá-las participar de jogos no exterior, dizendo que não pode garantir a sua segurança, e deixando-as em uma espécie de limbo.
A diretora foca principalmente em três mulheres, que tentam organizar o time, Fadwa, Halima e Naama, uma refugiada de Tawergha, uma cidade da Líbia que foi esvaziada da população durante a gerra civil em 2011. A diretora falou em uma entrevista que estava cansada de como mulheres muçulmanas são retratadas como vítimas, e disse que queria mostrá-las como pessoas normais, mesmo em uma situação extrema – elas foram filmadas durante a guerra civil. Ela queria mostrar que elas enfrentam desafios, claro, mas também constroem suas rotinas, cantam juntas, riem. Hoje, nenhuma das três mulheres está mais no time de futebol feminino da Líbia, que desde então, pelo menos conseguiu jogar em dois amistosos, mas algumas delas fundaram uma ONG para usar o futebol para empoderamento feminino e para lidar com trauma. Em um país tão obcecado com o futebol como o Brasil, fico surpresa que essa história não tenha tido mais público. Se fosse um país mais conhecido, teria com certeza. A diretora, por outro lado, continua na Líbia, dessa vez gravando um documentário sobre irmão e irmã que lutaram em lados diferentes da guerra civil. O tema, como o tema do time de esportes formado por pessoas por quem ninguém dá nada, poderia ser um filme de sessão da tarde, ou um dramalhão. Nas mãos dela, tenho certeza que vai ser imperdível.

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