Volta ao Mundo em Filmes: Coréia do Norte – Sob o Sol

Quando eu saí com a Coréia do Norte, eu sabia que não ia conseguir ver um filme comum. É um dos países mais fechados do mundo, e não tem muito que sai de lá, definitivamente nada que se encaixasse no projeto. Ou seja, achei alguns filmes de propaganda do governo, e Sob o Sol, de Vitaly Mansky, um filme que começou exatamente como isso, mas que conseguiu quebrar um molde um pouco. Por isso, ele foi meu escolhido para a Coréia do Norte.

O diretor russo Vitaly Mansky queria dirigir um filme no país, e passou dois anos negociando as condições. Ele só pode levar uma assistente, Alexandra Ivanova, e uma técnica de som, e quando chegou lá, recebeu um roteiro pronto e foi informado que ele tinha que ser acompanhado por uma pessoa local toda vez que saísse do local. Pessoas do governo escolheram onde ele podia filmar, impediram que ele tivesse contato direto com as pessoas que ele retrata no filme, e revisaram cada pedaço de filme para garantir que nada fugiria do retrato que eles queriam. Percebendo que eles queriam uma propaganda, ele manteve as câmeras funcionando entre uma tomada e outra, para pegar as ordens dos burocratas locais. Ele também contratou uma tradutora fluente em coreano para se passar pela técnica de som, e assim tentar se comunicar.

Sob o Sol acompanha a vida de uma família em Pyongyang, capital do país, quando a filha deles de oito anos, Zin-Mi, é preparada para se juntar à “União das Crianças”, a tempo da festa para comemorar o aniversário de Kim Jong-il. O pai da menina trabalha como engenheiro, a mãe dela, em uma fábrica de leite de soja. E é graças às câmeras filmando o que não tava no roteiro que a gente sabe que isso saiu do roteiro, mas que esse “documentário” estava bem longe da vida deles: na vida real, ele trabalha com jornalista – talvez na mesma agência que liberou o filme, e ela trabalha em uma cantina. Em uma cena, uma trabalhadora deveria anunciar que eles produziram 150% da meta. Na tomada seguinte, ela anuncia que foi 200%. Em outra, ele pergunta a Zin-Mi como ela se sente entrando para a União, e ela chora. Um guia manda ela parar de chorar e diz para ela pensar em algo bom. Ela não consegue pensar em algo, e a filmagem para.

O diretor conseguiu essas tomadas usando uma câmera que gravava em dois cartões de memória. Ele depois apagava as cenas proibidas em um deles, e entregava o outro para censores toda noite. De manhã ele o recebia de volta, com algumas cenas deletadas. Eles fizeram isso duas vezes, dois ciclos de quinze dias, e deveriam ainda voltar lá para um terceiro, que foi cancelado para o governo. Depois, quando o filme foi liberado, o governo ainda tentou tomar providências contra o filme, e convidou o diretor para voltar para a Coréia do Norte para conversas. Ele, que não é bobo, não voltou. Mas foi graças à coragem da pequena equipe que conseguimos um olhar diferente para a Coréia do Norte, e um representante para o projeto. O filme foi muito interessante, e só aumentou minha curiosidade sobre esse país, sobre o qual ainda sabemos tão pouco.

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