Volta ao Mundo em Livros – Suíça: I Beati Anni del Castigo

Eu sempre tenho dificuldade para escolher um livro em um país que tem mais de uma língua oficial. Não sei se faz sentido, mas sempre acho que seria legal ler um livro para cada uma das línguas. Mas tendo que escolher, fiquei com um livro do qual já tinha ouvido falar muito bem, em parte por que não tinha lido nada escrito por um suíço em italiano. E fiquei com I Beati Anni del Castigo, de Fleur Jaggy. E resolvi escrever o título em italiano mesmo já que não encontrei uma tradução do romance para o português.

O romance I Beati Anni del Castigo se passa em um colégio interno na Suíça, onde a narradora viveu desde os oito anos de idade. O pai dela vivia em um hotel no país, onde ela o via nos feriados, e a mãe dela tinha se mudado para o Brasil, mas é ela que controla vida da filha. De tempos em tempos, a diretora do colégio a informa das “ordens vindas do Brasil”, que determinam que a menina deve ter uma colega de quarto alemã, para praticar a língua, e frequentar uma igreja protestante, não uma católica.

Quando a narradora tem catorze anos, uma menina nova chega à escola, Frédérique. A narradora fica muito impressionada por ela, vendo nela uma elegância, um senso artístico, e chega ao ponto de copiar a sua caligrafia. Frédérique sempre se mantém distante de todos, ela é educada, mas não procura amizades, mas a narradora sempre se preocupa em conquistá-la. Para ela, todas as meninas tem um cheiro rancido de morte, depois da passar os melhores anos da vida em uma série de colégios internos, em uma “infância senil prolongada quase até a insanidade”, mas Frédérique não parece morta.

Ela passa muito tempo do livro tentando definir a relação entre as duas. Ela não consegue dizer que estava apaixonada pela amiga, as duas nunca se tocaram, mas ela acha que é, de certa forma, o que os franceses chamam de “amitié amoureuse”, uma amizade amorosa. A amizade das duas é perturbada pela chegada de uma nova menina, “bela como uma ave tropical”, uma menina belga que fala sem parar no seu “daddy”. 

O romance, como ficou claro a esse ponto, fala de uma das instituições que a gente mais associa com a Suíça, o colégio interno. Mas esse é o pano de fundo para pensar uma conexão entre arte e insanidade, que a autora associa, já no primeiro parágrafo do romance, a outro grande escritor suíço, Robert Walser, que também morou no Appenzell, onde ele passou quase trinta anos em um hospício, e que foi encontrado morto na neve perto de onde ficava o colégio da autora. Eu gostei muito do romance, e já procurei por outros da Fleur Jaggy, e espero que os livros dela sejam publicados em portuguẽs em breve.

Como curiosidade, também queria contar que descobri que a autora morou a maior parte da vida em Roma, onde se tornou próxima da escritora Ingeborg Bachmann, que escreveu Malina, o livro que foi escolhido no projeto para representar a Áustria.

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