Volta ao Mundo em Livros: Somália – O Pomar das Almas Perdidas

Quando comecei a procurar um romance para representar a Somália, dois romances me chamaram muito a atenção: Maps, de Nuruddin Farah, e The Orchard of Lost Souls, de Nadifa Mohamed. Acabei escolhendo o romance The Orchard of Lost Souls, que foca em três mulheres vivendo na Somália no início da Guerra Civil. 

Na primeira parte do romance, as três se encontram em um grande festival dedicado a celebrar o aniversário da “revolução”, a ditadura imposta por Siad Barre. Kawsar, uma viúva, vai com as vizinhas, já que ir a esses festivais se tornou obrigatório. Deqo, uma órfã de nove anos, vai apresentar uma dança típica, atraída pela promessa de ganhar um par de sapatos. E Filsan, uma jovem soldado, é parte das forças de segurança que patrulham o festival. Lá o caminho delas se cruza quando Deqo erra os passos da dança e é levada para ser punida pelos Guddi, a brutal guarda da vizinhança. Kawsar, não aguentando ver essa crueldade com uma criança, entra no meio da briga, e Filsan a pune violentamente por isso.

A partir desse momento, o livro segue as três personagens. Kawsar fica presa na cama depois do ataque, e aprendemos mais sobre a vida dela até então. Kawsar tinha sido casada, e foi muito marcada pelas tragédias de ter vários abortos espontâneos e filhos natimortos. Eventualmente, ela também conta da perda da única filha, Hodan, em circunstâncias muito trágicas. Deqo nasceu e cresceu em um campo de refugiados, de onde a mãe dela saiu sem ter dado à menina um nome. Depois do festival, ela ganha abrigo na casa de um grupo de prostitutas, limpando a casa para elas. Filsan, por sua vez, é mandada pelo norte do país. O pai dela é um militar importante na Somália, e a criou dizendo que se ela seguisse os passos dela, ela não seria vista como uma mulher, com menos direitos, que depois da “revolução” ela seria um soldado, igual a todos os outros. Então ela não está preparada para ver que a situação não é bem assim, e que no exército ela é assediada ou desprezada por um grande número de colegas.

A autora também comenta muito sobre as mudanças culturais na Somália da época. Kawsar conta como ela pediu para a mãe para sofrer a Mutilação Genital, tendo visto uma prima mais velha que ganhou roupas novas como presente depois da dela (e logo depois ela fala dos partos difíceis, provavelmente uma conseqüência da mutilação). Deqo ouve de uma das prostitutas que ela é uma criança que ninguém amou, e a prova disso é que ela não foi mutilada – segundo a prostituta, ninguém se preocupou o bastante com ela para garantir que ela passasse por isso. Já Filsan comenta como o pai moderno a poupou disso. Elas também têm atitudes diferentes sobre a própria guerra – depois da violência que Kawsar sofre, ela chama Filsan de “uma criança de seu tempo”. 

O romance trata de outros temas pesados, como não poderia deixar de ser quando o assunto é uma guerra civil. A autora já tinha mostrado corpos apodrecendo nas ruas, comidos por abutres, quando uma das personagens vê em um hospital enfermeiras levando crianças para doar sangue, tendo ouvido que os soldados mandaram que eles fossem “usados como torneiras”, mortos para que todo o sangue fosse usado, e ela pensa nelas “like the cannibals of old tales: totally ordinary yet irrevocably depraved”.

Achei um romance muito bom para descobrir um pouco da Somália, um país do qual frequentemente tudo que a gente ouve é sobre piratas. Ele tem alguns pontos que geralmente não curto – como o dos personagens que se cruzam várias vezes durante o romance – mas que achei que foram bem utilizados. Ainda quero ler o Farah, mas gostei da escolha para a Somália.

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