Volta ao Mundo em Livros: Israel – All the Rivers

Chegou a hora de procurar um livro para Israel, e só para deixar claro, aqui no blog a gente considerou Israel e a Palestina separadamente. Aliás, essa entrada é a última, já que já tivemos posts para Gett, um filme de Israel, Touch, um livro da Palestina e Paradise Now, um filme da Palestina. Achei vários livros que pareciam interessantes para representar Israel, mas não consigo resistir a um livro que foi censurado em seu país de origem, e por isso fiquei com All the Rivers, de Dorit Rabinyan.

O romance começa quando a narradora, Liat, está estudando um semestre em Nova York, planejando se tornar uma tradutora. Um dia, dois agentes do FBI batem na porta dela para dizer que ela foi denunciada por alguém que a viu escrevendo “em árabe” e agindo de forma suspeita em um café. Na atmosfera paranóica da Nova York logo após o 11 de setembro, ela entende que escrever da direita para a esquerda em um alfabeto que a maioria dos estadunidenses não entende foi o bastante para alguém decidir que ela era perigosa, segui-la para casa e chamar o FBI.

No mesmo dia, ela acaba encontrando Himli, um palestino que é professor de árabe de um amigo, e os dois imediatamente sentem a química. Eles têm um primeiro encontro que parece saído de uma comédia romântica, em que eles andam meia Nova York só para serem obrigados a refazer seus passos, já exaustos, quando ele percebe que perdeu as chaves. E imediatamente eles começam um relacionamento com data marcada para terminar. Em maio, o visto dela vence e ela deve voltar para Israel.

Logo no início, Liat e Himli descobrem que eles viveram em cidades muito próximas quando eram adolescentes, e imaginam o que isso pode ter significado. Como ela, que cresceu ouvindo sobre “os árabes” que sequestrariam meninas judias, teria reagido a um jovem Himli? Como ele teria reagido a ela se a tivesse conhecido quando ela participou do exército, como é obrigatório para todo israelense? Quando ela fala como ela sente falta do mar em casa, ele fala que nunca o viu – é quase impossível para os palestinos da Cisjordânia chegar à Faixa de Gaza, e ele nem sabe nadar.

Apesar de se passar em uma cidade onde ambos são vistos com um pouco de suspeita, como no incidente do início, o romance não seria possível na terra deles, que só é possível porque ambos falam uma língua estrangeira, já que nenhum fala a língua do outro. Liat tem medo de perder a sua identidade se relacionando com ele, ela admite que ela pensa em passar a vida com alguém que se pareça com ela, que ela não quer ter que dar explicações sobre o relacionamento toda vez que encontra com familiares e amigos de Israel, nem ter que dar explicações sobre Israel toda vez que encontra com os amigos palestinos dele. Quando ela liga para a família, ela pede para ele que desapareça por dez minutos, e dá para a gente se identificar tanto com a mágoa dele com essas palavras, quanto com a frustração dela de que ele continua interrompendo essas ligações, depois de vários pedidos.

O romance foi inspirado em um caso da autora com o artista palestino Hassan Hourani, para o qual ela escreveu uma carta publicada no The Guardian (o artista e o personagem tem tantas semelhanças que é meio que um spoiler para o romance). Depois, o livro foi inicialmente bem recebido em Israel, e foi recomendado que ele fosse adicionado às listas de romances obrigatórios para estudantes de ensino médio. O governo acabou rejeitando essa recomendação falando que o livro era uma incitação a relações interraciais, e, por isso, colocava em perigo a identidade judaica. Essa crítica acabou dobrando as vendas do livro em Israel e fez com que ele fosse traduzido para mais de vinte línguas. Pode parecer uma recomendação – para mim foi – mas não quer dizer de forma alguma que seja verdade que o livro seja tão maniqueísta como seus críticos o leram. Essas dúvidas sobre o desaparecimento da identidade judia são dúvidas que passam pela cabeça da própria Liat. O romance certamente é crítico da ocupação – começando por usar o termo ocupação, mal visto em Israel. Mas é uma crítica de alguém que cresceu lá e ama o lugar, e por isso infinitamente mais profunda e cheia de nuances que as discussões que a gente geralmente vê sobre o país. Por isso foi uma ótima escolha, e gostei de ter lido esse livro para Israel.

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