Volta ao Mundo em Filmes: Burkina Faso – A Noite da Verdade

Quando comecei a procurar por filme de Burkina Faso, descobri que o pequeno país tem uma das maiores indústrias cinematográficas da África. Ele também organiza o Fespaco, o maior festival de cinema do continente. Quanto mais eu procuro obras para esse projeto, mais vejo o quanto eu sou ignorante sobre o mundo. Eu me considero uma cinéfila, mas nunca tinha visto nenhum filme burkinabé. Então chegou a hora, e acabei escolhendo o filme A Noite da Verdade, da diretora Fanta Regina Nacro.

O filme de passa em um país imaginário, depois de dez anos de violenta guerra civil entre duas etnias inventadas para o filme (ao contrário das outras etnias, inventadas por motivos não-artísticos): os Nayaks, etnia do presidente e do exército oficial, e os Bonandés, representados no filme pelo exército rebelde do coronel Theo. Uma noite, eles planejam organizar uma festa da reconciliação, e Theo começa anunciando que a parte daquela noite, eles serão todos iguais, e não existem mais Nayaks e Bonandés.

No entanto, o filme desde o início nos mostra que nem todo mundo está ansioso para deixar o passado para trás. E que qualquer barulho pode ser um gatilho para que o ressentimento e a desconfiança mútua explodam. A própria esposa do presidente é uma dessas pessoas, que não consegue esquecer o assassinato do filho mais novo pelos rebeldes. Depois de um genocídio, não é assim tão fácil implementar um começo novo, e isso não vai acontecer só porque as autoridades de cada lado decidiram abolir as etnias.

Embora o filme se passe em um país inventado, ele se inspirou em muitos fatos reais, mesmo onde pode não parecer. O destino de revirar o estômago de um dos personagens, por exemplo, foi inspirado no que realmente aconteceu com um tio da diretora, que era soldado em Burkina Faso (link aqui para uma entrevista publicada no The Guardian, tem spoilers, para quem liga).

Quando eu procurei críticas do filme, vi que é quase indefectível ler que ele é “shakesperiano”, o que me deixa um pouco desconfortável. As pessoas sempre precisam comparar tudo a algo feito por um europeu, adicionar o nome como selo de qualidade, mas nunca pensariam em chamar um escritor inglês de “o Mia Couto da Europa”, ou um diretor francês de “o Fanta Regina Nacro europeu”. O filme tem a atmosfera de uma peça por se passar em um só lugar e em um curto período de tempo, mas ele é seu próprio filme – e é excelente nisso.

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