Volta ao Mundo em Livros: México – Temporada de Furacões

Quando tive que escolher um livro para representar o México, achei vários que pareciam interessantes. Mas teve um romance recente que foi tão discutido na imprensa, principalmente depois que foi indicado ao Booker, que não tive como não escolhê-lo. Por isso fiquei com Temporada de Furacões, de Fernanda Melchor. Ele ainda não foi publicado em português, mas consegui pegar um exemplar traduzido para o italiano na biblioteca, então foi perfeito.

O romance se passa em La Matosa, onde existia uma cidade que foi praticamente destruída por um furacão há alguns anos. O governo se aproveitou da destruição para construir uma estrada ligando a Cidade do México a campos de petróleo recém descobertos, e La Matosa virou uma terra de passagem de gente tentando ganhar dinheiro, uma terra de ninguém cheia de bares e bordéis. A maioria dos habitantes trabalha na beira da estrada ou não trabalha. 

A história abre com a descoberta de um cadáver, o da “bruxa” da cidade, uma mulher cujo nome verdadeiro foi esquecido há muito tempo, assassinada em um canal. A Bruxa era temida na cidade, desprezada, mas tinha contato com quase todos na cidade. As mulheres iam lá em busca de suas curas caseiras, principalmente para conseguir abortos. Os homens iam lá para festas regadas a drogas, esperando conseguir alguns pesos da Bruxa em troca de favores sexuais.

A partir daí, o livro passa por várias perspectivas de pessoas da cidade, como Yesenia, que quer implicar o primo Luismi no assassinato por causa de um ódio antigo, de como a avó sempre o teve como preferido, enquanto maltratava as netas. Outra é Norma, uma menina de treze anos que foge de casa grávida depois de anos de ser abusada pelo padrasto, e que é levada para a Bruxa para fazer um aborto. Tanto na perspectiva delas como dos homens da vida, o que a gente vê é muita misoginia, homofobia, um cotidiano muito violento, e que inclui a violência do estado. A forma como a Norma é tratada em um hospital, depois que o aborto provoca complicações, devia ser leitura obrigatória. Eu li que a autora se inspirou em fatos reais, e planejava investigar um assassinato, mas depois foi impedida pelo risco que isso acarretaria, e se voltou para a ficção. Mas o resultado foi muito realista, um mergulho na masculinidade tóxica e nos mecanismos da violência patriarcal.

O romance me lembrou de um dos livros mais inquietantes que já li, 2666, do chileno Roberto Bolaños, que em um capítulo detalha os feminicídios cometidos em uma versão ficcionalizada de Ciudad Juarez. Outro que pensei em ler para o México tinha sido La noche de Tlatelolco, de Elena Poniatowska, que usa vários narradores para falar dos massacres cometidos pelo governo mexicano contra estudantes protestando as Olimpíadas de 68. Temporada de Furacões, com a forma como retrata a violência, foi um livro difícil de ler – algumas críticas que li o chamaram de “livro de terror” – mas extremamente necessário, e que nos mostra quão pouco a situação mudou depois desses dois romances clássicos.

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