Itinerário de Petersburgo nos passos de Dostoiévski

Embora tenha nascido em Moscou, Dostoiévski ficou para sempre associado com Petersburgo. Foi a cidade onde ele morou a maior parte da vida, e, principalmente, foi a cidade onde ele escreveu a maior parte de suas obras primas. Ele morou em mais de vinte apartamentos pela cidade, ambientou suas obras lá, e por isso é como se o seu rastro estivesse por toda a cidade. Já fizemos um itinerário de Crime e Castigo em Petersburgo, e hoje vamos falar um pouco dos lugares que se relacionam com a sua vida.

Ele se mudou para a cidade para estudar Engenharia Naval, e passou cinco anos no Castelo Mikhailovski. O pai dele escolheu a carreira por sua estabilidade, mas Dostoiévski nunca gostou dos estudos. Os seus colegas falavam que ninguém se encaixava menos no ambiente militar do que ele. Ele se formou, conseguiu imediatamente um bom cargo e o largou seis meses depois porque ele queria ser escritor. O castelo hoje é parte do Museu Russo.

O começo da carreira literária de Dostoiévski foi um grande sucesso. Ele publicou seu primeiro romance, Gente Pobre, em 46, e o todo poderoso crítico Belinsky a considerou um trabalho de gênio, comparando o autor a Gógol. Foi por meio de Belinsky que ele começou a ler teóricos socialistas como Proudhon e Saint-Simon. 

Dostoiévski morou em mais de vinte apartamentos ao redor de Petersburgo, nunca ficando em algum lugar por mais de três anos, e já nessa época ele se mudava frequentemente. A razão de tantas mudanças era o aperto financeiro em que ele sempre viveu, e por isso ele escolhia apartamentos baratos em torno da Praça Sennaia e da Igreja de Vladimir.

A Praça Sennaya também viria a ser o centro da Petersburgo de Dostoiévski. Na época, era o lugar que ele chamou de o baixo ventre da cidade, onde moravam operários e camponeses recém-chegados em porões e quartinhos claustrofóbicos como o de Raskolnikov. Durante as comemorações do tricentenário da cidade, a praça foi modernizada, mas ao redor dela ainda é possível encontrar a atmosfera descrita nos trabalhos de Dostoiévski.

Em 1846, Dostoiévski se envolveu com um grupo de pensadores socialistas em Petersburgo. Na maioria dos sábados e domingos, eles se encontravam  na casa e Mikhail Petrashevski, um intelectual e defensor do socialismo utópico. Eles debatiam e criticavam a servidão que atrelava os camponeses à terra, que só seria abolida alguns anos depois, em 61, mas se opunham à ideia de uma revolução. Eles liam literatura censurada, tinham uma biblioteca, e planejavam traduzir Proudhon do francês. Em 23 de abril de 1849, 35 membros do círculo foram presos. Uma nota enviada à polícia nomeava Dostoiévski como um membro. Ele foi preso e enviado à Fortaleza de Pedro e Paulo, o primeiro forte da cidade, que já teve post próprio. Lá ele passaria nove meses em uma cela solitária, até que foi condenado à morte por ler e distribuir obras proibidas, como a carta que Belinsky escreveu a Gógol.

Em 22 de dezembro de 1849, o grupo foi mandado à Praça Semionov, hoje em dia conhecida como Praça Pionerskaia, para enfrentar o pelotão de fuzilamento. Os primeiros três homens foram amarrados ao poste. Dostoiévski estava no segundo grupo: ele tinha minutos para viver. Nesse momento um oficial leu um perdão assinado pelo tsar Nikolai I. Depois Dostoiévski soube que o perdão tinha sido assinado há dias, e que eles mantiveram a encenação para torturá-los. A verba para a falsa execução veio do orçamento do tsar para entretenimento. A pena de morte foi comutada em servidão na Sibéria, seguida por serviço militar obrigatório. Hoje, é uma praça tranquila da cidade.

Em Tobolski, a caminho da prisão, Dostoiévski encontrou com as esposas dos Dezembristas, os revolucionários de 1825. Uma delas lhe deu uma Bíblia, que ele guardou por toda a vida. Em momentos de dúvida, ele gostava de abri-la e ler um verso aleatório. Hoje essa Bíblia fica no Museu Dostoiévski em Petersburgo. Era o único livro que ele tinha permissão de ler durante os anos da prisão, quando ele também foi proibido de escrever. Depois da prisão, ele fez o serviço militar, e recebeu permissão para se casar e para publicar livros. Dez anos depois da partida, quando ele voltou a Petersburgo, ele recomeçou a publicar, inclusive com as Memórias da Casa dos Mortos, um romance baseado na sua experiência na prisão.

O Apartamento Museu de Dostoiévski fica na alameda Kuznechny, número 5. Lá ele viveu com sua segunda esposa, Anna Grigorievna, e seus filhos entre outubro de 1878 e a sua morte em janeiro de 1881. Aliás, o relógio no seu estúdio ainda está parado no horário de sua morte: 20:36. Em uma caixinha de fósforos, vemos as palavras escritas por sua filha pequena “papai morreu hoje”. Seu último romance, Irmãos Karamazovi, foi escrito lá. O apartamento foi decorado com era na época em que o escritor morava lá, e dá uma idéia do seu cotidiano. Depois, o apartamento ao lado foi transformado em uma exposição multimídia que completa o tour pela sua vida.

Entrada
Escritório
Na caixa de cigarros, a filha de Dostoiévski escreveu “papai morreu”, com a data.
Retratos de família
O relógio foi parado na hora em que Dostoiévski morreu, em 28 de janeiro de 1881.
primeira edição das Memórias da Casa dos Mortos
Diploma de reconhecimento pelo discurso de inauguração da estátua de Púchkin, na avenida Tverskaya, em Moscou
Máscara mortuária de Dostoiévski

Na Igreja de Vladimir, em torno da qual Dostoiévski alugou vários apartamentos e que ele frequentou enquanto vivia, foi celebrado o seu funeral. É uma Igreja neoclássica, dedicada a São João Damasceno. A Igreja foi fechada em 1932, e reaberta em 89. Milhares de pessoas compareceram ao funeral de Dostoiévski, que se tornou um evento público. 

A igreja vista do apartamento vizinho ao de Dostoiévski, que hoje é parte do Museu

Ele foi enterrado no Cemitério do Monastério de Aleksandr Nevski, que dá o nome à Avenida Nevski, a principal de Petersburgo. Ele foi levado ao Cemitério dos artistas, uma necrópole pensada para os grandes artistas russos. Na sua lápide, foi colocada uma de suas frases preferidas da Bíblia, de João 12:24: “Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto.”

E foi por aí que acabou meu roteiro, levando flores para o escritor que sempre me afetou tanto. Realmente foi impressionante ver lugares que influenciaram tanto a sua vida, por onde ele passou, começando no apartamento anexo a um hospital onde ele nasceu em Moscou. e atravessando várias vezes uma cidade que ele amava tanto, durante as Noites Brancas que ele descreveu. Petersburgo é a cidade irreal de Dostoiévski, a “cidade mais abstrata e premeditada do mundo”, a cidade onde eu conseguia ver um canal e pensar antes de mais nada que era onde a Sônia Marmeladova morava. O roteiro é temático, mas para mim no final a conclusão foi essa: que para mim a cidade toda era a cidade de Dostoiévski, e eu o via em cada esquina.

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