Volta ao Mundo em Livros: Geórgia – The Eighth Life

Não foi tão fácil quanto eu imaginava achar um livro para a Geórgia. A maioria dos livros que eu achava interessantes tinham sido traduzidos para várias línguas, mas os exemplares se esgotaram e eu não achava ebooks. Passei um tempo empacada sem saber que livro ler para o país. Foi quando lançaram a lista do Man Booker Internacional de 2020, e vi lá um livro que prometia ser perfeito para o projeto: uma saga familiar que percorria um século de história do país, com mais de mil páginas, para fazer um panorama da Geórgia moderna. E foi assim que meu escolhido ficou sendo The Eighth Life, de Nino Haratischvili. Comecei com expectativas muito altas, o que talvez tenha sido um problema.

O romance começa quando a narradora, Niza, que mora há anos em Berlim e não volta à sua terra natal, a Geórgia, recebe um telefonema da mãe falando que “a criança” desapareceu. Ela demora um tempo para entender que a criança é sua sobrinha, Brilka, que tinha viajado com a sua escola de dança típica georgiana para fazer uma apresentação em Amsterdam, e fugiu deles tentando chegar a Viena. Elene, a mãe de Niza, quer que ela vá até uma cidadezinha de fronteira da Áustria achar a sobrinha e colocá-la em um avião de volta para a Geórgia, e é nesse momento que ela começa a pensar na história da família delas durante o último século. O livro tem um subtítulo, “for Brilka”, porque Niza começa a narrar as vidas da família se dirigindo a ela, e só no final nós vamos descobrir o momento em que ela realmente parou e escreveu o livro.

Niza começa com a vida de sua bisavó, Anastasia ou Stasia, a filha de um chocolateiro que se casou durante a revolução com um tenente do exército russo. Ela herdou do pai a receita de um chocolate que ele acreditava ser amaldiçoado, e que a tinha feito prometer que ia ficar só dentro da família. Ela vai ser a matriarca da família Jashi pelas próximas décadas, e desde o início Niza já conta dessa bisavó extraordinária, que teve que abandonar os sonhos de dançar nos balés russos de Paris, mas que dançou um pas-de-deux com a bisneta aos oitenta e dois anos.

Na mesma geração, Niza conta a história da irmã mais nova de Anastasia, a lindíssima Christine, que chama a atenção de um homem que o romance chama de Little Big Man – mas que é claramente o georgiano Lavrentii Beria. Outro georgiano famoso que aparece no romance é o generalíssimo, o apelido que Haratishivili dá para Stalin.

O romance então passa por Kostia e Kitty, os filhos de Stasia que tomam rumos políticos opostos crescendo na União Soviética. A quinta vida é a de Elene, a filha de Kostia que ligou para Niza no início do romance. A sexta e a sétima são de Niza e Daria, sua irmã mais velha, e a última, a oitava vida, ainda para ser escrita, é a da própria Brilka. Além deles, o romance também acompanha um número de personagens, principalmente da família Eristavi, que também tenta sobreviver ao século.

O romance no início me prendeu muito. Haratschivili começou brincando com algumas histórias tradicionais, inclusive uma que eu tinha ouvido em Tbilisi: segundo ela, deus criou o universo, e deixou com que os povos competissem por quem viveria onde. Cada um teria que mostrar suas qualidades e seu charme, para que deus lhes desse um lugar agradável e rico. Deus acabou essa distribuição e viu um homem que não tinha participado do processo. Ele perguntou o motivo, e o homem disse que ele estava satisfeito ali mesmo, e que qualquer lugar que deus lhe desse estava bem. Deus ficou comovido com essa humildade, e lhe deu o lugar que ele tinha reservado para si mesmo, para seu descanso, a Geórgia, o lugar mais bonito do mundo, cheio de montanhas e cachoeiras, e com o melhor vinho do mundo. Ela usa essa piadinha para brincar sobre como os georgianos gostam de se imaginar – como pessoas marcados pelo despreendimento e pela falta de ambição, e que isso pode ser visto na verdade como defeitos, como preguiça e falta de argumentos. Ela faz isso com várias das virtudes e defeitos que seriam estereótipos dos georgianos, da hospitalidade ao conformismo.

Eu adorei o prólogo, mas na verdade achei que o livro depois foi bem decepcionante. Ao invés dessa brincadeira com a própria cultura, ele pareceu muito forçado, como no fato de que todo evento histórico tem que ter alguém da família lá. Achei que ele fala de eventos, mas pouco de como realmente era a vida lá. Quando faz isso, faz muito bem, como nesse trecho:

For Daria and me, the Soviet Union meant: constant funeral marches and processions as aged gentlemen of the Communist Party were carried to their graves; carnations everywhere, macabre spectacles broadcast on all the television channels. For us, the Soviet Union meant: endless summer camps, Pioneer neckerchiefs. Tea plantations, apiaries, and kolkhozes.

Mas em mais de mil páginas, teve pouco além do prólogo que realmente me chamou a atenção. A trama foi um pouco melodramática, e com uns toques de realismo fantástico que realmente não funcionaram para mim. O livro prende, apesar de mil páginas, ele flui. Mas eu queria gostar e tenho que admitir que realmente não gostei. Foi um dos poucos casos em que isso aconteceu no projeto, e foi triste já que as expectativas estavam altas, é um dos meus países preferidos, e não tenho outros livros de lá a mão para começar a ler imediatamente. Mas assim que conseguir, pretendo ler outro romance da Geórgia. Se você tem uma recomendação de um que faça jus ao sabor de um khatchapuri saindo do forno, deixa nos comentários, por favor.

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