Volta ao Mundo em Livros: El Salvador – Insensatez

Quando chegou a vez de procurar um livro para El Salvador, teve uma citação que me chamou muito a atenção. Ela vinha de Roberto Bolaño, falando que uma das grandes qualidades do trabalho de Horacio Castellanos Moya era que os nacionalistas de todos os tipos não conseguiam suportá-lo, que o humor dele era como um filme de Buster Keaton, que ameaçava a frágil estabilidade dos imbecis, que então tinham vontade de enforcá-lo em uma praça pública. E que ele não podia pensar em um elogio maior para um escritor. Como eu também não consegui pensar em um, o livro estava escolhido: Insensatez, de Horacio Castellanos Moya.

O romance é narrado em primeira pessoa por um editor que foi contratado pela Igreja Católica para revisar um manuscrito de mais de mil páginas, com testemunhos dos maus-tratos aos quais indígenas foram submetidos em um país não nomeado da América Central. A primeira frase do romance, “Eu não estou completo na cabeça”, vem do manuscrito, do relato de um homem que viu seus quatro filhos e a esposa serem massacrados, e é como o narrador se sente tendo que ler centenas de páginas de relatos de torturas, massacres e estupros. Os trechos do manuscrito se infiltram, em itálico, no que o narrador nos conta, e a cada momento ele se torna mais obcecado com a história e mais paranóico, crendo que ele também está sendo perseguido. Ele imagina a igreja, os militares, os namorados das mulheres com as quais ele teve casos, todos se unido para persegui-lo, e a gente não tem certeza durante o romance se essa perseguição é real ou imaginária.

O manuscrito é parte de um relatório, e foi comissionado por um arcebispo para determinar a culpa ou inocência dos envolvidos em um genocídio. Mas isso parece um pouco fora da realidade local, já que, segundo o narrador, todo mundo sabe quem são os culpados entre eles. Mas eles continuam impunes.

É um romance bem pesado, como deve ser óbvio pelos temas tratados. Mas vale muito a pena, e é uma história que nos conta muito sobre a América Latina como um todo, pelo que temos em comum, e sobre a situação da América central hoje. Afinal, quando a gente vê sobre as caravanas de famílias que tentam chegar aos Estados Unidos a pé, isso não pode ser separado dos genocídios e crimes que ficaram impunes lá a tão pouco tempo.

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