Volta ao Mundo em Livros: Bélgica – War and Turpentine

A Bélgica foi um país que pulou a fila. Geralmente, quando vou a um país, tento achar um livro de lá antes, e ele passa na frente do sorteio. Então fui procurar um livro da Bélgica, e tinha vários que me pareceram interessantes, mas fiquei com War and Turpentine, de Stefan Hertmans, porque ele parecia ter a ambição de mostrar um panorama de décadas da história da Bélgica, e pelo autor ter sido comparado a Sebald, um autor que curto muito. Só quando comecei a ler vi que ele se passava em Gent, a cidade para onde eu estava indo para uma conferência, e que ele era perfeito para me mostrar um lado diferente da cidade.

O romance War and Turpentine é, segundo o autor, baseado em cadernos que seu avô lhe deu em 1981, e eles contam a história dele, Urbain Martien, antes, durante e depois da Primeira Guerra Mundial, na qual ele lutou. O autor os incorporou na narrativa, inclusive deixando os trechos sobre a guerra na primeira pessoa.

Thus the things he wished to forget kept coming back, in shards of stories or absurd details, and whether hell or heaven was the subject, shards and details like these were the puzzle pieces I had to fit together before I could begin to understand what had gone on inside him all his life: the battle between the transcendent, which he yearned for, and the memory of death and destruction, which held him in its clutches.

Urbain Martien nasceu e cresceu na Gent da Revolução Industrial e da Belle Époque. Ele vinha de uma família muito pobre, e seu pai trabalhava como pintor e restaurador de afrescos, e estava sempre doente com asma. Urbain vai um pouco para a escola, mas ele sempre perde aulas porque tem que esperar nas filas de farmácias para conseguir remédios para o pai. Então, aos 13 anos de idade, ele começa a trabalhar em uma fundição. Lá ele vê vários acidentes causados pelas condições, inclusive um que lhe causa várias cicatrizes. Apesar disso, eles nunca tinham dinheiro o bastante para comprar comida ou roupas. A infância dele é quase Dickensiana, e por isso nos mostram uma imagem da Bélgica que ainda afeta o país hoje, mas que é completamente diferente da nossa visão de turistas de “chocolate e canais”.

Depois disso, Urbain se inscreve em uma academia militar, e é mandado para a guerra assim que ela começa. Ele narra tudo com honestidade, ratos, diarréia, montes de fezes, hipotermia, o preconceito com o qual os oficiais franceses tratam os soldados flamengos, que falam holandês. A parte sobre a guerra é muito evocativa. Depois dela, o autor conta sobre a vida do avô nas décadas seguintes, inclusive o seu casamento com a avó, irmã da mulher que ele realmente amava. E ele volta para analisar as pinturas do avô, apaixonado pelos grandes mestres flamengos, que fazia reproduções em casa, para perceber que o que ele achava que eram erros, na verdade tinham uma explicação.

No romance, a gente vislumbra vários períodos da história de Gent. A gente tem algo da Flandres dos grandes mestres flamencos da pintura, especialmente pela devoção que Franciscus, o pintor de afrescos, e seu filho Urbain tem a eles. A gente tem algo da Gent da Revolução Industrial, já que ela foi o primeiro lugar onde ela aconteceu fora da Inglaterra, com máquinas contrabandeadas de lá. A gente lê sobre a Bélgica que passa por duas guerras mundiais. Por isso, e porque gostei do romance, acho que foi uma escolha excelente para a Bélgica.

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