Volta ao Mundo em Livros: Sérvia – Como Apaziguar o Vampiro

Quando eu estava procurando um livro para a Sérvia, vi que a recomendação mais comum de leitores internacionais é Danilo Kis, enquanto a recomendação quase unânime de quase todos os sérvios com quem conversei era Borislav Pekić. Isso já aconteceu comigo algumas vezes, quando existe um autor muito conhecido internacionalmente, mas outro que é mais amado no seu país de origem – a República Tcheca também foi assim, em que todos os leitores internacionais conhecem Kundera, mas os locais o dispensavam na hora para falar que o maior autor local é Bohumil Hrabal.

E tem um motivo pelo qual a gente conhece Danilo Kis muito mais do que Pekić, já que foi bem difícil achar traduções dos seus livros. O que mais me tinham recomendado, O Tosão de Ouro, uma saga de família em várias gerações, não foi publicado completamente em português, inglês, italiano, espanhol ou francês. Raiva, um livro sobre uma pandemia que me disseram que seria perfeito para essa época de Covid 19, só achei em italiano. Como Apaziguar o Vampiro foi um pouco mais fácil, tem em inglês ou italiano. Acabei pegando Como Apaziguar o Vampiro, que era o único que tinha na biblioteca da universidade.

O romance é uma narrativa epistolar, com cartas mandadas por Konrad Rutkowski, um professor de história medieval na Universidade de Heidelberg. Em 1965, ele vai passar as férias com a esposa em uma cidadezinha de praia na Dalmácia, o mesmo lugar onde ele, em 1943, ficou estacionado com a Gestapo, quando ele fazia parte do exército alemão. Ele é claramente assombrado por o seu tempo lá, mas não consegue conversar com a esposa sobre isso, e envia, ao invés, cartas para o cunhado, que também é historiador e também serviu no exército alemão.

Na “calçada na sombra” de Sabina, ficam os ninhos de metralhadora de Konrad, voltados para o mar, a “praça elegante” de Sabina é na cidade de Konrad o lugar das execuções.

Quando ele conta as histórias dessa época, Konrad parece estar em dúvida entre querer renegar seu passado como oficial nazista e querer justificá-lo, de querer nos convencer de que ele fez o melhor que podia. O romance é muito filosófico, e o autor decidiu associar cada uma das dezesseis cartas com uma escola ou movimento filosófico europeu, e dar a elas nomes que fazem referências a obras primas da filosofia.  Como o autor disse em uma entrevista que li, Konrad tinha acreditado que por ser um produto da “civilização cristã”, e da “tradição de classe média”, ele estaria a salvo dos impulsos mais bárbaros dos seres humanos. Basicamente, ele quer se agarrar a imagem dele de “cidadão do bem”, mesmo depois de ter sido parte de algo, o exército nazista, que passou a ser visto como basicamente a encarnação do mal. E o que a gente acaba concluindo é que não existe uma contradição, uma separação clara entre essa tradição humanista européia que ele admira e a violência que ele praticou – e por isso o romance já foi chamado de anti-intelectual. O vampiro do título também é uma metáfora.

A princípio, o romance não me falou muito sobre a Sérvia. Talvez, quando um livro é tão amplamente amado e recomendado em um país, ele sempre diga algo sobre as pessoas desse país. Não sei se era o melhor romance para esse projeto, mas foi com certeza um romance desafiador e incrível de ler.

Deixe uma resposta