Volta ao Mundo em Filmes: Portugal – Tabu

O filme Tabu, de Miguel Gomes, foi tão recomendado para Portugal, que, quando chegou a vez dele, nem procurei uma sinopse, fui direto no filme sem saber nada sobre ele. E depois fiquei na dúvida, porque ele, apesar de incrível, foca muito na questão do colonialismo, que também foi o tema do livro que eu li para lá, o Caderno de Memórias Coloniais da Isabela Figueiredo. Mas não resisti, porque gostei muito do filme.

O filme começa contando uma lenda de um “intrépido explorador” na África, cheio de clichês como falar que ele não teme nem feras nem canibais, que ele está no coração do “continente negro”, etc. Arrasada com a perda da mulher que ele ama, ele se joga em um rio onde vê um crocodilo. Anos depois, tem quem jure ver o par, uma mulher vestida como em outra época e um crocodilo melancólico. 

Depois ele passa a retratar um prédio na Lisboa de hoje em dia, com o título na tela de “Paraíso Perdido”. Uma mulher de meia idade, Pilar (Teresa Madruga), está preocupada com a vizinha idosa, Aurora (Laura Soveral). Ela gasta tudo que tem em cassinos, a saúde dela está piorando, e a filha dela, que vive no Canadá, não parece se importar muito. Aurora vive com uma funcionária de Cabo Verde, Santa (Isabel Cardoso), que ela sempre maltrata, e que ela está convencida que está fazendo alguma bruxaria contra ela. Quando Aurora fica mais doente, ela pede a Pilar que encontre um homem que ela não vê há anos, Gianluca Ventura.

Nesse ponto, o filme passa para as recordações de Ventura, com o título “Paraíso” aparecendo na tela. A gente vê a Aurora quando era jovem (Ana Moreira), e descobrimos que ela cresceu em Moçambique, em uma família rica. Ela era conhecida como uma exímia caçadora, e quando ela se casa com um outro português lá, ele lhe dá um crocodilo como presente. É um dia procurando o crocodilo que fugiu que ela encontra o Gianluca, e eles logo se tornam amantes, embora ela já estivesse grávida do marido.

Durante o filme, em vários momentos eles mencionam a revolta dos moçambicanos com o colonialismo, e falam de escaramuças e insurreições. Tanto a Aurora quanto o Gianluca mal notam o que está acontecendo, muito envolvidos no próprio romance. Até quando os ricos do lugar formam um grupo armado para defender “os brancos”, eles só vêem nisso uma oportunidade de ficar juntos. E muitas vezes também a câmera sai um pouco do romance dos dois para mostrar os africanos que trabalham na lavoura. A Aurora percebe um pouco no final, ao se chamar de “uma louca infeliz, que pode se recordar com carinho os momentos onde todos só verão aterradoras iniquidades”. Mesmo quando ela fala de crimes, a gente entende que ela não está falando do crime mais óbvio que o filme mostra diretamente, mas sua participação no colonialismo português, já que o filme fecha com essa frase e outra imagem de africanos trabalhando. 

Então o filme é um romance um pouco tradicional, com um casal lindo e de classe alta em um lugar “exótico”, mas que contrapõe a isso a narrativa pouco convencional, tanto no estilo do filme preto e branco com narração, quase sem diálogos, como nessas imagens dos africanos que nos permitem ver esse romance quase como solipsista. Achei um dos melhores filmes que vi para o projeto até agora, e já quero procurar outros filmes desse diretor.

Deixe uma resposta