Volta ao Mundo em Livros: Guiné Equatorial – La Bastarda

A Guiné Equatorial teve duas indicações que pareciam muito promissoras: Arde el Monte de Noche, de Juan Tomás Ávila Laurel, e La Bastarda, de Trifonia Melibea Obono. Foi bem difícil escolher entre os dois, porque ambos pareciam muito interessantes, mas acabei ficando com La Bastarda porque trata de temas que tinham aparecido pouco nos livro sobre a África, como relações LGBT.

La Bastarda é um romance muito curto, com pouco mais de 50 páginas, mas que nos dá uma boa perspectiva da vida da narradora e protagonista, Okomo. Ela é conhecida na família como la bastarda, porque seu pai nunca pagou o preço de noiva pela sua mãe, que morreu no parto. Ela nem sabe quem seu pai é, e toda vez que ela pergunta, a família muda de assunto, dizendo que ele é um canalha, e que ela não precisa saber mais nada, porque os mais velhos sabem melhor.

Okomo vive com os avós, e no meio de vários conflitos da família. O seu avô se casou há poucos anos com uma segunda esposa, que na época tinha catorze anos, dizendo que a primeira esposa não era mais mulher porque ela tinha parado de menstruar, e que ele queria um filho homem. Se isso já parece machista, a gente descobre detalhes sobre o que aconteceu depois que tornam tudo ainda pior. Além disso, o outro grande conflito na família se refere ao tio de Okomo, Marcelo, a quem eles se referem como homem-mulher. No início, ela não entende bem o que isso significa, mas sabe que parte do conflito é que um primo do Marcelo é infértil, e pelas regras da comunidade, ele deveria engravidar a sua esposa no lugar dele, para que a linha da família não se perca, mas ele se recusa. Por isso ele é tratado como pária na comunidade, e culpado por tudo que acontece, desde a seca nas plantações até a própria infertilidade do primo.

Além disso, os avós de Okomo também reclamam dela, que não se veste bem ou usa maquiagem, e apesar de ter dezesseis anos, ainda [sic] não se casou. A avó fala muito que ela tem que usar o corpo para trazer prosperidade para a família, e eu fiquei na dúvida se essa é realmente a expressão local, ou se a autora queria nos mostrar como o “preço da noiva” é uma forma importante de trazer dinheiro para família na região, e quão próximo isso é da prostituição. A avó também fala que o Marcelo deve usar o membro para o bem da comunidade, o que também mostra como os corpos dessas pessoas são vistos como públicos, a serem usados como os mais velhos decidirem. 

Ela se aproxima de três jovens da vila conhecidas como as indecentes, e se apaixona por uma delas, Dima. É nesse ponto que ela começa a entender o que significa quando chamam seu tio de homem-mulher, e pergunta como a comunidade chamaria alguém como ela, apenas para aprender que na tradição fang, não existe uma palavra para o que ela é. O tio fala que é como se ela não existisse.

O livro fala bastante sobre exclusão, algo que Okomo sente desde o nascimento mas que se reforça durante o livro. Ela sente que não há lugar para ela naquela sociedade por ela ter sido criada sem um pai, e posteriormente pela sua relação com outra mulher. Em um momento, ela vai brevemente para o Gabão, o país vizinho, e sente uma exclusão nova, a de ser “equato”, estigmatizada por ser de um país que tem a mesma etnia, fang, mas uma língua diferente e que ela vê como um primo pobre do Gabão.

Então, apesar do romance ser tão curtinho, achei que aprendi muito sobre o país e gostei muito da escolha. Juan Tomás Ávila Laurel continua na lista como um dos próximos que quero ler, mas recomendo La Bastarda como um dos representantes do país.

Deixe uma resposta