Volta ao Mundo em Filmes: Japão – Assunto de Família

O Japão foi um daqueles países para os quais é muito difícil escolher um filme. A oferta é imensa, e muitos pareciam interessantes. Acabei fazendo o que faço frequentemente em casos assim, escolhendo um filme recente que chamou a atenção em festivais, só porque não dá para ver todos os filmes que eu gostaria de ver. E escolhi o filme Assunto de Família, de Hirokazu Koreeda.

Assunto de Família começa mostrando uma família que mora em uma periferia de Tóquio. Eles são um casal, Osamu (Lily Franky), um operário que tem que parar de trabalhar quando torce o tornozelo, e Nobuyu (Sakura Ando), que trabalha em uma lavanderia, além de uma moça mais jovem, Aki (Mayu Matsuoka), que trabalha em uma casa de fetichismo, a avó, Hatsue (Kirin Kiki), que sustenta a família com sua pensão, e Shota (Kairi Jō) um menino. Como as fontes de renda são parcas, eles sobrevivem principalmente de pequenos furtos. Osamu ensina a Shota como pegar produtos em supermercados sem ninguém ver, dizendo que se eles não foram vendidos, eles não pertencem a ninguém, e ninguém está sendo prejudicado. É voltando do supermercado, onde eles roubaram o bastante para o jantar, que eles vêem uma menina sozinha no frio (Miyu Sasaki), e acabam convidando-a para a casa para jantar com eles.

Na casa, eles descobrem que ela se chama Juri, e vêem que os braços dela estão cheios de cicatrizes. Depois que a menina dorme, eles a levam de volta para a casa dela, mas ouvem os pais dela brigando e se acusando, dizendo que nenhum deles a quiz. Então eles a levam de volta para a própria casa. Dois meses se passam com a menina vivendo com eles, até que o noticiário começa a falar sobre o sumiço. Como os pais dela não denunciaram o seu desaparecimento, os assistentes sociais acham que eles a mataram. E a família nova reage a isso cortando o cabelo da menina, queimando as roupas que ela usava quando foi encontrada, e lhe dando um novo nome: Lin. 

Osamu insiste com Shota que ele deve chamar a Lin de irmã, mas na mesma conversa ele também diz que gostaria que o menino o chamasse de pai. Até esse momento eu achava que ele era o pai de Shota, e fiquei pensando se ele era o seu padrasto, ou o que estava acontecendo. Aki também chama Hatsue de avó, mas não parece se filha do casal, e eu fiquei tentando entender o vínculo, até que no meio do filme a gente conhece seus pais, e isso complica a situação ainda mais. Mas é bem esse o tema do filme, que, segundo o próprio diretor, é o que constitui uma família.

É quase no final do filme que vamos entender como essas pessoas se uniram e construíram essa família, e a relação ambígua entre eles. Com Lin, por exemplo, a criança que eles meio que seqüestram, meio que adotam, é claro que eles a amam e a tratam como filha, mas ela não vai à escola, e eles a ensinam a roubar de lojas para sobreviver. O filme corre o risco de idealizar demais o casal, fazê-los parecerem pais perfeitos em comparação aos pais biológicos de Lin, que abusavam dela, e por isso nos mostra muito a perspectiva de Shota, que claramente não quer ensinar a “irmãzinha” a roubar.

Às vezes eu fico pensando muito sobre os temas recorrentes que aparecem nos livros e filmes que eu escolho. Tem um que aparece muito que eu chamo de “o outro lado do paraíso”, livros e filmes que querem mostrar o que se esconde atrás da imagem de perfeição que a gente tem de certos países. Foi assim, por exemplo, com os filmes A Criança, escolhido para a Bélgica, Minha Irmã, para a Suíça, Parasita, para a Coréia do Sul, ou The Florida Project, que representou os EUA e mostra a pobreza perto da Disney, e é o que aconteceu com esse também, que me mostrou as pessoas que vivem de forma muito diferente da imagem que eu tenho do Japão. Por isso gostei muito da minha escolha para lá.

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