Volta ao Mundo em Livros: Dominica – The Wide Sargasso Sea

Chegou a hora de ler um livro da Dominica para o desafio, e resolvi reler um dos meus livros preferidos dos últimos anos: The Wide Sargasso Sea, de Jean Rhys.

O romance começa na Jamaica, em uma plantação de açúcar um pouco depois da abolição da escravidão no Império Britânico. O romance é narrado por Antoinette, uma menina de uma família que tinha ficado rica com a escravidão, mas que agora vivia em uma situação de quase miséria. A mãe de Antoinette pretende se casar novamente, com um inglês, para melhorar a situação financeira da família, mas os antigos escravos deles, vendo isso, os atacam. Depois o romance passa por duas outras fases da vida dela, em uma visita com seu marido inglês para Dominica, e morando na casa dele na Inglaterra.

E nesse ponto, dá para reconhecer as ligações desse romance com outro romance clássico, Jane Eyre, de Charlotte Brontë, porque o nome do marido é Edward Rochester. Não é preciso ler o outro romance antes de ler The Wide Sargasso Sea, mas definitivamente acrescenta camadas na história, e eu vou precisar dar alguns spoilers dele para falar do livro. É que em Jane Eyre, a gente sabe pouquíssimo sobre a primeira esposa do Mr. Rochester: ela é louca, ela tá trancada no sótão, ela vem do Caribe, ela fica tentando colocar fogo na casa. Ela nem é um personagem, ela não tem voz, ela só só uma complicação na história de outras pessoas.

O romance de Jean Rhys é justamente uma tentativa de dar uma história para essa personagem. E aqui, a origem dela no Caribe é muito relevante. No Imperialismo e Cultura, de Edward Said, o autor argumenta que em muitos livros ingleses a gente vê mansões enormes e fortunas de família, e geralmente tem só uma linha mencionando que o dinheiro vem de uma plantação de açúcar nas Antilhas. Ou seja, o dinheiro vem de trabalho escravo, mas isso nunca é abertamente dito quando eles estão romantizando essa vida de aristocrata inglês no campo. E a Jean Rhys tá justamente deixando isso claro, de onde o dinheiro vem. Por mais que o Mr. Rochester fala que ele foi enganado a entrar nesse casamento, ele não menciona que é o dinheiro da primeira esposa que sustenta seu estilo de vida. Só que ele fica feliz com o dinheiro, mas teme a cultura dela, teme a comida e a natureza da ilha, teme a ex-escrava que é para ela uma figura de mãe, e teme até os olhos dela, que ele descreve como muito não-europeus. Mais do que tudo, ele teme que ela seja birracial, e começa a acreditar que ela fez alguma forma de magia, e o enganou para que ele concordasse com o casamento, e começa a espalhar que a família dela toda é louca. Ele faz gaslighting e a manipula, e depois a chama de louca. No livro, isso tem muito de preconceito com o não-europeu e de sexismo. Em Jane Eyre, ele a tinha descrito como tendo baixo intelecto e tendências não castas, e a gente percebe o tanto de estereótipos que tem nisso.

Uma releitura de um clássico de outra perspectiva, que coloca o colonialismo na posição forte que deveria ocupar na narração da história da Europa.

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