Minha experiência no Teatro Mariinski vendo duas óperas russas

Já contei aqui minha experiência vendo um ballet no Teatro Bolshoi, em Moscou (e comprando o ingresso de estudante por 1,5 euro). Chegando em Petersburgo, queria ir ao teatro famoso da cidade também, o Mariinski, e como tinha visto um ballet, dessa vez fui de ópera. E como não consegui decidir, e os preços estavam razoáveis, vi duas: Ruslan e Ludmila, de Glinka, e Khovanshchina, de Mussorgski.

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O teatro Mariinski foi aberto em 1860, com o nome da tsarina Maria Fiodorovna, esposa do Imperador Alexandre II. Como Petersburgo na época era a capital da Rússia, ele recebia as premières mais importantes, e logo se tornou onde Tchaikovski, Rimski-Korsakov e Mussorgski estreavam suas obras. Durante a época soviética, ele perdeu importância para o Bolshoi, quando a capital voltou a ser Moscou, e foi renomeado para Teatro Kirov. Hoje em dia, de volta ao nome original, ele é famoso pelo Festival Estrelas das Noites Brancas, que acontece todo verão e quando todos os clássicos aparecem no repertório. Foi quando eu estava em Petersburgo, e por isso fui ver duas óperas.. 

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Eu cheguei no Mariinski vinte minutos antes de cada apresentação, e a entrada foi bem tranquila. Eu levei os ingressos no celular, já que tinha comprado online, e troquei pelo ingresso na bilheteria, e, como ele é nominal, é preciso levar o passaporte. Os lugares foram bem fáceis de achar, e as óperas tem muitos intervalos em que dá para passear pelo teatro. Também existem algumas lanchonetes no prédio. As óperas tem legendas em russo e em inglês, e o libretto também era bilíngüe, então fica fácil acompanhar a trama.

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A primeira ópera que eu fui ver foi Ruslan e Ludmila, de Glinka. Ela é inspirada por uma poema de Puchkin, o pai da literatura russa, e o Glinka é meio que considerado o pai da ópera russa. Os dois na verdade tem uma reputação bem parecida, como gênios que reinventaram a linguagem russa, mas que não são muito conhecidos ou compreendidos no exterior porque a obra deles é intraduzível. A peça é baseada em contos de fadas russos, e por isso parecia interessante.

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Eu estava bem empolgada, mas uma das tramas da ópera me irritou muito. Um feiticeiro em um momento conta a sua história. Ele se apaixonou por uma mulher, Naina, e lutou em batalhas e enriquece para conquistá-la, mas ela só responde que não o ama e que não é o ouro dele que vai fazer diferença. Aí ele fica reclamando da “orgulhosa” Naina, como um incelzinho que acha que as mulheres devem sexo para ele. Aí ele passa anos estudando feitiços e finalmente lança um sobre ela, que chega na casa dele apaixonada. Só que agora ela ficou velha e ele “foge horrorizado”. O textão acabou, podem continuar a ler em paz, prometo.

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Depois fui ver Khovanshchina, e se Glinka é frequentemente comparado a Púchkin, Mussorgski é comparado a Dostoiévski. Suas óperas sempre lidam com a questão da alma russa e da sua dualidade, e combinam personagens que podem ser ao mesmo tempo cruéis e gentis, sábios e idiotas. Seus personagens já foram descritos como humilhados e ofendidos, como iurodivi (loucos santos da tradição russa), seu ritmo geralmente é chamado de febril, e por isso ele é tão associado a Dostoiévski. Khovanshchina não foi terminada antes da morte do autor, então existem vários finais, como o de Rimsky-Korsakov, que é o mais famoso, e o de Stravinsky.

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Khovanshchina é baseado em um episódio da história russa, a rebelião do príncipe Ivan Khovansky. Ela aconteceu na época em que Pedro, o Grande, que depois construiria Petersburgo, era uma criança, e co-tsar da Rússia com seu irmão Fiódor, uma pessoa com deficiência. A regente era a irmã deles, Sofia Alekseevna. Como era proibido mostrar membros da dinastia Romanov no palco, nenhum deles aparece na peça, mas são mencionados o tempo todo. Foi uma época em que a Rússia estava se “modernizando”, e duas instituições resistiam às mudanças. Os primeiros eram os Streltsi, um corpo de guardas (similar aos mosqueteiros na França) que eram fanaticamente fiéis ao príncipe Khovansky. Os outros eram os Velhos Crentes, como eram chamados os que seguiam os velhos ritos da religião Ortodoxa, que tinham sido mudados pelo patriarca Nikon. Então é uma divisão da sociedade da época em três facções que se odeiam e que cada uma acha que representa a Rússia real – a religiosa, a militar, e a do tsar. Essa ópera foi incrível, realmente amei a escolha.
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Se você quer ver uma ópera na Rússia, e não sabe qual, essas são outras sugestões:

  • Boris Godunov, de Mussorgski – outra obra de Mussorgski inspirada pela história russa, da “época dos problemas” logo antes dos Romanov.
  • A Rainha de Espadas, de Tchaikosvski – outra ópera inspirada por uma obra de Púchkin, o pai da literatura russa.
  • O Galo de Ouro, de Rimsky-Korsakov – também baseada em Púchkin e nas suas interpretações de contos de fadas russos. 
  • Uma Vida pelo Tsar, de Glinka – uma ópera patriótica sobre a invasão da Polônia pela Rússia no século XVII, que foi a première do Teatro Mariinski.
  • Evgueni Oneguin, de Tchaikóvski – inspirado pelo famoso romance em versos de Púchkin.
  • Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk, de Shostakovich – o primeiro sucesso de Shostakovich, apesar da manchete no Pravda que a chamava de “barulho ao invés de música”, e que historiadores acreditam ter sido escrita pelo próprio Stálin.
  • Guerra e Paz, de Prokofiev – inspirada no romance de Tolstói sobre a invasão da Rússia por Napoleão em 1812 (e sim, Napoleão canta na versão operática).

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