Volta ao Mundo em Livros: Zimbábue – Nervous Conditions

Quando chegou a vez de ler um livro para o Zimbábue, recebi muitas recomendações. Várias me interessaram, como We Need New Names, de NoViolet Bulawayo, House of Hunger, de Dambudzo Marechera, Mas no final fiquei com Nervous Conditions, de Tsitsi Dangarembga, que vi várias vezes decrito como um dos livros mais influentes da literatura africana. Ele também parecia ótimo para o Desafio Viaggiando, na categoria Livros sobre o colonialismo. 

O livro é narrado por Tambudzai, chamada pela família de Tambu.  Ela começa com uma frase de impacto: “I was not sorry when my brother died”. Nhamo era o único menino da família, e o que recebe todas as oportunidades. Ela faz um ano de escola, mas depois, quando a família não tem dinheiro para as taxas, é só Nhamo continua estudando. Tambu vê como todos veneram o único tio dela que teve oportunidade de estudar, e que volta com grande festa da Inglaterra, onde fez um mestrado em educação. Ela ouve sobre as riquezas da casa dele, que tem água quente encanada, eletricidade, e para ela o lugar soa como um castelo. Ela também quer estudar, e por isso planta milho para tentar pagar pela própria educação.

Logo depois, o tio chama Nhamo para morar com sua família na casa da missão. Ele começa a voltar para casa o mínimo possível, e, quando volta, recusa-se a falar em Shona com a família, usando apenas inglês, o que restringe a conversa ao mínimo possível. 

É depois da morte do irmão que Tambu entra em mais contato com o tio, que ela só chama de Babamukuru, irmão mais velho do pai, a tia, e os primos. 

O que eu mais curti no livro é a visão crítica que Tabu desenvolve do que ela vê. Ela percebe os privilégios que os tios tem, e quer estudar como eles, ser capaz como eles de ajudar a família. No entanto, ela entende que ele é tratado assim porque ele é visto como um dos “bons africanos”, que age exatamente como os brancos querem. E como isso influencia a vida de todos ao redor, já que para ser visto como um “bom africano”, ele exige que o resto da família viva como bons cristãos, mesmo nos pontos em que isso vai contra a cultura e a conveniência deles, para manter as aparências. Ela também nota que um dos missionários consegue uma bolsa em um internato caro para Chido, o seu primo, porque ele se sentia culpado de mandar os próprios filhos para uma escola onde quase nenhum africano conseguia estudar. Dessa forma, ele pode fingir que não é uma educação super elitista, porque tem um africano.  

O relacionamento de Tambu com a tia, Maiguru, é muito interessante. Ela sempre ouviu que ela foi para a Inglaterra com o marido para cuidar dele e preparar as refeições dele, e fica surpresa quando ouve que ela também fez um mestrado lá. A tia trabalha fora, mas ainda tem todas as obrigações de cuidar da casa, e o salário dela vai direto para a conta do marido. Tambu vê todos os privilégios que ela tem, porque ela não vive na miséria como a família de Tambu, mas também entende que a situação é muito mais complexa do que isso. Isso espelha a relação dela com a prima, Nyasha. No início, Tambu a acha ingrata porque acha que ela devia agradecer pela sorte de viver naquela casa e poder ir à escola. Mas Nyasha se sente uma “híbrida”, como ela coloca em um momento. Ela estudou na Inglaterra por cinco anos quando os pais estavam lá, e agora tem dificuldade de se readaptar à vida no Zimbábue. Ela esqueceu quase tudo da sua língua natal, o Shona, e não entende as tradições que dominam a vida da família, como e cumprimentar os parentes por uma ordem de hierarquia que é confusa até para Tambu. Nyasha acaba não pertencendo a nenhum desses dois mundos, e Tambu vê como ela sofre por isso. 

Tambu quer construir uma trajetória que não seja a tradicional dos pais dela, porque ela não quer, como a mãe, casar aos quinze anos e depois ficar presa em casa, tendo um filho depois do outro. Mas ela também vê que as escolas ocidentais não são uma salvação. Ela vê o racismo e o sexismo que existe nelas, e entende o medo da mãe de que ela esqueça o Shona e não seja mais capaz de comunicar com a família. 

Tem uma cena no final (não é exatamente um spoiler, mas quem não gosta de saber demais sobre os livros pode querer pular esse parágrafo) em que Nyasha é levada a um médico em uma cidade maior, e para o leitor é bem claro que ela tem um distúrbio alimentar. Mas o médico responde que os sintomas que eles estão descrevendo é algo que só acontece com meninas brancas. Mesmo hoje médicos ainda acham que pessoas negras tem pele mais grossa e sentem menos dor, e pessoas negras têm dificuldade em achar psicólogos que saibam falar de racismo. O que elas estão descobrindo é que sob a aparente civilização e cientificismo que estão sendo levados para o Zimbábue, estão a perpetuação das mesmas estruturas de poder. Por isso, achei que Nervous Conditions funciona como um bildungsroman do pós-colonialismo. Realmente ele valeu todo o elogio que tinha recebido, e fiquei muito feliz com a minha escolha para o Zimbábue.

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