Visitando o museu de Stálin em Gori

Eu fui a Gori especialmente para visitar o Museu do Stálin, construído por ele como uma peça de propaganda na cidade onde nasceu. Apesar de estudar a União Soviética, ainda estava um pouco inocente. O nível de puro narcisismo do lugar ainda conseguiu me surpreender.

Georgia Gori museu stalin

Eu cheguei e vi a casa onde Stálin nasceu, debaixo de uma estrutura que parece um templo na parte mais alta da Avenida Stálin. E eu pensei que ela tinha sido movida para lá, ou até que era uma réplica. Mas não: Stálin mandou reordenar toda a cidade em que nasceu para que sua casa fosse o centro. Todas as grandes avenidas ao redor foram construídas depois, destruindo o que fosse necessário. 

Todo o propósito de mostrar a casa onde ele nasceu era mostrar como os bolcheviques tiveram origens humildes, o que era verdade. Os pais de Stálin realmente moravam nessa casa pequena, com um quarto. Mas aparentemente ele não viu a ironia em reordenar a cidade inteira e construir essa redoma em torno da casa para mostrar a própria humildade.

Georgia Gori museu stalin casa onde nasceu

O museu é cercado por estátuas de Stálin, que eu só tinha visto em cemitérios de estátuas soviéticas (o Lênin, que não queria estátuas, ainda tem algumas em praças na Rússia). Entrei, em meio a mais estátuas, e a moça da bilheteria me falou na hora que tinha um tour em inglês começando, e que estava incluído na entrada.

O mais legal do tour foi como a guia explicou como o museu está organizado. Quando você entra na exposição principal, olhe em direção das próximas salas – à esquerda, o museu foi mantido como era quando Stálin ainda estava vivo, à direita, ele tem alterações feitas ainda durante a URSS, no subsolo, ele tem a parte mais moderna.

No início, há muitas informações (a maioria só em russo e georgiano) sobre a vida dele, como de quando ele foi expulso de um seminário durante a adolescência e da imprensa clandestina que ele manteve em Tbilisi.

Na primeira sala a história dele já chega na época da Revolução, que é contada, naparte direita da sala, com ausência notória de vários nomes como Trótski. Aí você olha na parte da direita, e eles tem fotos de vários desses nomes, explicando como eles foram assassinados pelo próprio Stálin, mostrando inclusive fotos adulteradas para remover a lembrança dessas figuras em imagens históricas. Pelo que li, isso é bem recente. Também ficam aqui trechos do “testamento de Lênin”, um dos ultimos documentos que ele escreveu e onde falava que Stálin não deveria ter muito poder na URSS, e que seria melhor eleger alguém mais tolerante e menos inconstante. Uma curiosidade nessa parte é que em que várias imagens o povo georgiano mesmo apagou a figura de Beria, que, segundo as teorias de conspiração, teria assassinado o Stálin.

Georgia Gori museu stalin foto sem beria

Algumas das correções são pequenas, eles não falam dos crimes de Stálin, e isso só mostra a mesquinhez a que o culto de personalidade dele chegou. Por exemplo, uma delas é uma foto dele que saiu na revista Time e que não tinha sido retocada, então dá para ver as marcas de catapora no queixo dele, e as rugas em torno dos olhos, que geralmente ele não deixava aparecer em imagens publicadas na Rússia.

Georgia Gori museu stalin foto não retocada

Uma parte do museu é dedicada à Segunda Guerra – que também é o argumento de quem ainda defende Stálin, que acha que todos os seus crimes foram um mal necessário para salvar o mundo de Hitler. A parte mais bizarra é a sala toda vermelha dedicada à máscara mortuária de Stálin. A guia também aproveitou essa parte para falar como o Stálin foi colocado no Mausoléu de Lênin, até que ele foi removido durante as políticas de desestalinização e enterrado nas paredes do Kremlin, ainda uma grande honra.

Georgia Gori museu stalin segunda guerra

Georgia Gori museu stalin mascara mortuaria

Depois disso, o museu tinha uma pequena coleção de presentes diplomáticos divertidíssimos, e passamos para a parte debaixo, dedicada a contar o outro lado da história. Ela é bem pequena ainda, apenas a réplica de uma sala de interrogatórios e uma cela de prisão, com informações sobre os Gulags. A guia recomendou que quem tivesse interesse nessa parte também podia visitar o Museu do Gulag, na Rússia, ou o Museu do Holodomor, na Ucrânia. Mas o mais interessante para mim foi a parte que explica quando essas mudanças foram planejadas: em 2008, quando a Rússia invadiu parte da Geórgia, a Ossétia do Sul, e chegou a invadir e bombardear a cidade de Gori. Gori fica bem na estrada principal que liga o leste e oeste da Geórgia, e por isso tem importância estratégica, e hoje fica bem perto da fronteira com a Ossétia do Sul. Agora, existem planos de aumentar essa parte, talvez construindo um prédio novo para abrigar uma coleção sobre os crimes do stalinismo.

Isso não quer dizer que o assunto seja pouco controverso. Para alguns, a URSS foi simplesmente uma invasão russa na Geórgia, e Stálin foi a pessoa que a ordenou, contra ordens de Lenin. Para outros, ele é o georgiano que chegou ao poder de uma das maiores potências do mundo. Para muitos georgianos, é uma diferença de geração, com os mais velhos apoiando o regime, e os mais novos odiando a Rússia.

Como historiadora, gostei muito de poder visitar um museu que foi mantido em partes como era – eu me interesso muito por questões de discurso e representação, e, sendo mantido, ele vira quase um museu-meta, um museu sobre o museu construído por Stalin. Mas claro também fico feliz que agora isso vai ser inserido em um contexto maior, mostrando o lado que ele não pretendia que fosse exposto lá. Bom que a gente pode revisitar essas peças de propaganda, mas pena que ainda tem algumas fazendo hagiografia para criminosos de guerra (como o museu em Londres dedicado a Churchill, que segundo Gandhi era para a Índia o que Hitler era para a Europa).

Georgia Gori museu stalin fotos da invasão russa 2008
Fotos no museu da invasão de 2008

Do lado de fora do museu ainda tinha a casa onde Stálin nasceu e o trem selado onde ele viajava, que também pudemos com a guia.

Georgia Gori museu stalin trem

Depois do museu, ainda deu para visitar um pouquinho a cidade, inclusive a Fortaleza de Gori, de onde dá para ver toda a cidade.

Eu fui para Gori a partir de Tbilisi, pegando uma marshrutka na rodoviária de Didube. Ela me custou 4 lari, e durou uma hora. Também aproveitei parte do dia para visitar a cidade em cavernas em Uplistsikhe, que já teve post próprio.

Clique na imagem para ler os posts que já publicamos sobre a Geórgia.

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