Volta ao Mundo em Livros: Omã – Celestial Bodies

Prêmios são às vezes uma boa forma de encontrar livros para o projeto, e o livro que escolhi para o Omã primeiro entrou no meu radar quando ele ganhou o Booker Prize Internacional. O livro foi Celestial Bodies, da Jokha Alharthi, tornando-a a primeira mulher do Golfo Árabe a ganhar o prêmio.

O romance conta a história de três gerações de uma família, saltando da perspectiva de uma pessoa para a outra, e por décadas da história de Oman. As personagens centrais são três irmãs, Mayya, Asma e Khawla, cujas vozes aparecem quando os pais começam a arranjar casamentos para elas, o início dos anos 80. Elas são bem diferentes: Mayya é tranquila e quer ser uma filha obediente, Asma ama ler e passa o dia com livros antigos, Khawla é mais rebelde, e recusa propostas em nome de uma promessa que fez a um primo quando eles eram crianças. Outros narradores aparecem, como a filha mais velha de Mayya, que ela, em um único ato de rebeldia, chamou de London.

O único narrador que fala em primeira pessoa é Abdallah, filho do respeitado comerciante Sulleyman. Desde o início sabemos que Suleyyman vivia em uma casa enorme com seus escravos, e depois descobrimos que ele também fez sua fortuna com esse tráfico. A escravidão só foi proibida no Oman nos anos 70. A voz dele também é a que mais mostra o contraste do Oman nas últimas décadas, porque é um fluxo de consciência em que ele salta entre viver em uma pequena vila que não tinha escolas e ouvir as histórias de escravos capturados em outros lugares para viver em uma Muscate moderna, onde a filha estuda medicina e nas férias eles vão para Dubai. E também é onde a gente vê a continuidade, porque ele ainda quer desesperadamente afirmar sua masculinidade para o fantasma do pai. Ele é quem tem mais voz no livro, e achei que a história dele tem um balanço bom em mostrar como a masculinidade tóxica afeta homens, mas ao mesmo tempo os privilégios que eles tem na sociedade (talvez por isso ele seja o único em primeira pessoa?). 

Uma das personagens mais interessantes do livro é Zarifa, que era uma escrava da família de Suleyyman, e que continua na sua casa pelas décadas seguintes. Ela cria Abdallah depois que a mãe dele morre um pouco depois do parto (de uma possessão para as famílias locais, provavelmente envenenada, segundo London). E ele pensa que nem mesmo foi ao seu funeral. Ele foi em funerais de vários parentes que mal conhecia, por dever, mas ninguém pensou em avisá-lo quando ela morreu, porque ela era uma ex-escrava.

Uma das partes do livro que eu mais curti foi como ele mostra como o passado nunca está morto, ele nem passa, para usar uma frase de Faulkner. London, a filha de Mayya que estuda medicina, fica noiva de um homem que é abusivo e que lhe diz que ela é sua propriedade, e uma amiga sua, professora em uma cidade do interior, sofre um estupro coletivo de alunos e a família não quer denunciar porque seria vergonhoso. O patriarcado continua, tanto lá como em todos os lugares.

A história é muito envolvente, ensina muito sobre o Omã, e a linguagem dela é muito poética, incrível. Achei esse livro imperdível, e fiquei muito feliz que foi minha escolha para o Omã.

2 comentários

  1. Camila Navarro

    Eu adorei o livro que li pra Omã, mas desde que ouvi falar desse também estou louca pra ler! Aí fico na dúvida se já compro logo, porque ainda tenho um monte de país pra ler e já quero repetir alguns. rsrs

    1. Julia Boechat

      Eu não li o livro que você leu sobre o Omã, mas Celestial Bodies é incrível. Gostei muito, e recomendo.
      Mas entendo sua dúvida, ainda quero ler todos os livros que me recomendaram sobre a Índia, mas também quero ler livros sobre outros países.

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