A Casa de Anne Frank – um dos passeios mais tocantes e incríveis de Amsterdam

Eu li o diário de Anne Frank quando eu tinha a mesma idade que ela tinha quando o começou – treze anos. No início, eu não gostei muito. Parte porque era íntimo demais, eram detalhes da vida dela, e parte porque a vida íntima de outra pessoa nunca é tão interessante assim. Eu admirava como ela era franca com tudo, como ela queria ser uma escritora, mas foi só pelo meio que o diário começou a me interessar muito. No início eu tinha pensado em Anne como uma irmã mais nova, porque apesar da mesma idade ela parecia mais criança, e no final ela era o mulherão da porra que eu imaginava se conseguiria ser se passasse pela mesma situação. Como alguém passa anos trancada em um esconderijo, sonhando em poder andar na rua e rir alto, e ainda tem esperança na humanidade? E foi por isso que em Amsterdam o anexo secreto era o lugar que eu mais queria visitar.

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A Anne Frank na verdade nasceu na Alemanha. Ela se mudou para a Holanda aos quatro anos, para escapar da perseguição aos judeus. Mas quando a Alemanha invadiu a Holanda, diversas restrições foram impostas aos judeus também na Holanda. Eles foram proibidos de usar o transporte público ou andar de bicicletas, de ser donos de empresas, de estudar em escolas mistas. A Anne, que recebeu o diário de presente aos treze anos, fala sobre as restrições impostas quando ela tem que mudar de escola. Otto Frank tentou emigrar com a família para os Estados Unidos, mas não foram aceitos como refugiados por terem família ainda na Alemanha. Ele trabalhou então para transferir suas empresas para pessoas em que confiava, conseguindo manter uma pequena renda, e começou a planejar um plano para se o pior acontecesse.
Alguns meses depois, a irmã mais velha de Anne, Margot, foi convocada para ir a um “campo de trabalho”, eufemismo que era usado para convencer algumas pessoas a ir sem luta a campos de concentração. Alguns dias depois, a família saiu de casa usando roupa em cima de roupa, já que eles não podiam despertar suspeitas carregando malas, e andaram vários quilômetros porque não podiam usar o transporte público até o lugar onde eles ficariam escondidos por dois anos. A entrada do esconderijo secreto foi escondida por uma estante, e você tem que passar por ela para visitar o anexo.

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Crédito: divulgação

Hoje, os quartos são mantidos sem nenhuma mobília, por praticidade. Era difícil para quem estava escondido se movimentar pelos quartos, imagina com milhões de turistas lá dentro. Mas no quarto onde Anne e sua irmã Margot dormiam, você ainda vê nas paredes as fotos de atores de Hollywood que elas pregaram lá. Depois, outros refugiados se juntaram aos Frank: a família van Pels, Hermann, Auguste e o filho adolescente Peter, e depois o dentista Firtz Pfeffer. Anne fala muito sobre eles no diário, principalmente sobre Peter, que no início ela acha um mala, mas com que depois desenvolve uma relação. E ela se pergunta no diário se ela se apaixonou por ele de verdade, ou se ele é apenas o único menino da idade dela que ela viu em anos. Ela também fala muito em ser uma escritora, e, quando ouve falar que diários serão publicados com o fim da guerra, ela muda os nomes dos ocupantes do anexo para pseudônimos, e começa a editá-lo para publicação.

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Fotos nas paredes. Crédito: divulgação

Depois do anexo, o museu continua pelos prédios ao lado, que tem filmes sobre a família, o diário e a Holanda durante a Segunda Guerra. Eles também contas as histórias dos quatro dos trabalhadores da empresa, Victor Kugler, Johannes Kleiman, Miep Gies e Bep Voskuijl, que sabiam do esconderijo e ajudavam a família. Gies e Voskuijl foram entrevistadas para um documentário, e contam mais sobre a época e sobre Anne.
O anexo foi invadido pela polícia alemã, e todos os ocupantes foram enviados para campos de concentração. Quando eu li o diário, ele acabava com uma nota breve falando que o pai de Anne foi o único entre os habitantes do anexo a sobreviver, e que foi ele quem publicou o diário da filha, que tinha sido encontrado por uma das ajudantes do grupo depois que a polícia partiu. No museu, fiquei sabendo bem mais, porque nos quartos havia tvs ligadas com cenas de entrevistas de amigas da Anne que viram a família no campo de concentração, e que contam um pouco dos últimos meses da sua vida. No final da visita, tinha uma foto da turma da escola primária em que Anne estudou, em que cada uma das crianças é identificada e eles contam os destinos que eles tiveram depois. Eu vi gente chorando a visita inteira, mas nessa parte, com fotos de crianças de sete anos falando o que aconteceu com elas, quase todo mundo estava pelo menos engasgado.

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Otto Frank de volta ao anexo. Na época da foto, ele já sabia que era o único da sua família a ter sobrevivido. Crédito: wikicommons

Depois, o museu contava um pouco sobre o diário em si. Quando Otto Frank descobriu que ele era o único da família a ter sobrevivido, ele resolveu cumprir o sonho da filha e publicar o diário. Ele tinha duas versões, na verdade, a primeira (os estudiosos chamam de versão A) e a que a Anne mesma tinha editado para publicação (versão B), mas a maioria das versões que a gente acha em livrarias hoje em dia é uma mistura delas (versão C). Otto Frank e os editores que ele procurou tiraram algumas partes, principalmente as que falam de sexualidade e onde Anne critica a mãe e outros ocupantes do anexo, talvez porque causariam uma polêmica muito grande e impediriam que o diário fosse lido em escolas, talvez porque essas pessoas tinham acabado de ser assassinadas e eles estava compreensivelmente sensível a ouvir qualquer crítica sobre elas. Mas eu fiquei triste de descobrir que a versão que eu li é uma sob a qual a Anne não teve controle. Que em fato teve partes que ela manteve para a publicação e que as poucas versões que as mantém são banidas em várias escolas só porque ela fala francamente sobre descobrir as partes da própria vagina. Que indagar sobre como sexo funciona e falar que não se sente conectada com a mãe são considerados impróprios para adolescentes quando eu não conheço uma adolescente que não tenha pensado exatamente as mesmas coisas. A Anne virou um símbolo, foi eleita uma das pessoas mais importantes do século pela revista Time, seu livro entrou na lista dos cem melhores do século XX do Le Monde, e ela continua sendo censurada, como se ela tivesse que passar de criança inocente para vítima sem poder ser uma mulher normal.

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Crédito: wikicommons

O final do museu é um centro em que eles tentam discutir preconceito e tolerância no mundo de hoje. Quando eu fui lá, você podia votar em várias idéias, como se véus deviam ser proibidos em escolas e em leis a respeito de refugiados, e eles depois mostravam as estatísticas de como visitantes do museu votaram, e artigos a respeito de cada item. Foi especialmente interessante ver isso depois de ver a história dela contada no museu. Hoje na saída também ficam um café e uma livraria, com versões do diário publicadas em dezenas de línguas, inclusive em português.

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Páginas do diário. Crédito: divulgação

Na época, eu tinha o Museum Kaart, que cobria a entrada do museu, mas não deixava pular a fila, então fui lá logo que o museu abriu e entrei em cerca de vinte minutos. Hoje em dia, só tem como comprar os ingressos online. O site do museu libera 80% dos ingressos exatamente dois meses antes da visita, e eles servem para um horário específico, e os outros 20% são liberados no dia da visita, às 9 da manhã (horário de Amsterdam).

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