Bologna, a sábia – itinerário para conhecer a história da Universidade mais antiga do mundo

A Universidade de Bologna deu à cidade o apelido de “a sábia”, mas ela nem sempre funcionou como funciona hoje. A universidade começou no século XI, quando estudiosos de Bologna começaram a se dedicar ao ensino da lei – os chamados Legisti. A data aceita hoje é que a fundação da Universidade foi em 1088, o que a tornaria a universidade mais antiga do mundo em operação contínua. A universidade e a cidade sempre estiveram conectadas, e até contei aqui como os pórticos surgiram para aumentar os andares superiores das casas quando surgiram estudantes querendo alugar quartos.

Por um tempo, as salas de aula funcionavam de forma parecida, com professores ensinando nas suas casas ou alugando salas. Associações eram fundadas para alojar os alunos de países diferentes, como o Collegio di Spagna, que ainda existe.

Bologna collegio spagna

Em 1158, Federico I publicou o Constitutio Habita, que oficialmente declarou a universidade como um lugar onde pesquisa podia acontecer de forma independente de outros poderes. Isso foi muito importante porque significava que a universidade não dependia da igreja.

No século XIV, a escola dos juristas foi aumentada com a participação dos Artisti, estudiosos de estudantes de medicina, filosofia, aritmética, astronomia, lógica, retórica e gramática. Os professores eram conhecidos como glossatori, porque eles escreviam explicações nas glosse, ou seja, nas margens de textos romanos. Os glossatori eram tão celebrados na cidade que ganharam mausoléus de honra, sendo enterrados em tumbas elevadas do lado de fora das igrejas mais famosas da cidade.

Do lado de fora da Igeja de San Domenico, ficam as tumbas dos glossatori da faculdade de direito, enquanto do lado de fora da Igreja de San Francesco ficam as tumbas dos artistas.

Bologna igreja san domenico tumbas glossadores 2Bologna igreja san domenico tumbas glossadores 1

No século XVI, foi construído o Archiginnasio como sede principal da Universidade, um lugar que poderia reunir os Legisti e os Artisti em um só prédio, cada um com acesso a cinco salas de aula e uma sala maior para congressos. No andar de cima, fica o Teatro Anatômico, onde as lições de anatomia aconteciam. Ele é conhecido pelas estátuas de dois homens sem pele – gli spellati, e pelas estátuas de médicos famosos como Hipócrates e Gaspare Tagliacozzi, um nativo de Bologna e precursor da rinoplastia.

Archiginnasio 5

Hoje, o Archiginnasio ainda faz parte da Universidade, e funciona como biblioteca, a maior de toda a Emilia-Romagna. A sala de congressos dos Legisti é hoje conhecida como Stabat Mater, por ser onde Rossini apresentou primeiro o canto com o mesmo nome, e é onde eles frequentemente organizam eventos. A última vez que eu fui lá foi para ver a Helena Janeczek, que ganhou em 2018 o Strega, o prêmio literário mais importante da Itália.

Como os estudantes por muito tempo se agregaram por lugar de origem, os seus representantes ganhavam o direito de colocar o brasão da sua família ou cidade nas paredes do Archiginnasio. Hoje eles são cerca de 6 mil brasões.

bologna archiginasio universidade

No início do século XIX, Napoleão, que tinha conquistado grande parte da Itália, mudou a sede da Universidade para o Palazzo Poggi. Ele era a sede do Instituto de Ciências, famoso pela torre do observatório.

Hoje o Palazzo Poggi abriga o escritório do reitor, de alguns professores (já vim aqui para discutir meu trabalho de Antropologia Histórica) e três museus. O primeiro deles é chamado de Museo del Palazzo Poggi, e tem coleções de ciências naturais, baseado nas coleções de Ulisse Aldrovandi, figura importante na história da universidade, física, química, geografia e história militar.

Bologna universidade Museu palazzo poggi modelos útero
Modelos sobre a posição do bebê no Útero, para ensinar estudantes de medicina
Bologna universidade Museu palazzo poggi venerina modelo anatomico
La Venerina, também usada por alunos de medicina, já que os órgãos são removíveis. Dizem que ela é bem fiel à realidade, embora eu desconfie da magreza apesar da gravidez, do colar de pérolas e da expressão lânguida – meio mórbido meio fetichista

Bologna universidade Museu palazzo poggi salas

Bologna universidade Museu palazzo poggi mapa canibais brasil
O imaginário europeu das Américas do século XVI: gente cozinhando um braço

O segundo museu lá dentro é o Museo della Specola, na sede clássica do departamento de astronomia, que conta a história dos estudos feitos em Bologna. A gente passa pela Sala do Meridiano, a Sala dos Globos e sobe a mesma torre-observatório usada por séculos, terminando a visita com uma das melhores vistas de Bologna.

Melhor vista de Bologna

Finalmente, o terceiro museu lá dentro é o MEUS – Museo Europeo degli Studenti, que conta a história dos estudantes universitários, com um foco especial para Bologna. Ele fala de como os estudantes se organizavam em associações, sobre trotes e rituais de iniciação (que podiam incluir um duelo com espadas), sobre movimentos de estudantes.

Uma sala focava nas mulheres estudantes. Bologna foi a segunda Universidade da Europa a aceitar alunas, no século XVII, alguns anos depois da primeira estudante ter sido recebida em uma universidade em todo o mundo, em Pádua. E essa estudante, Laura Bassi, depois se tornou uma professora no departamento de física, a primeira professora universitária no mundo. Um mapa mostrava quando as maiores e mais antigas universidades do mundo começaram a ter alunas, e o contraste é enorme. A maioria foi só no século XX. A Universidade de Salamanca tinha a distinção [sic] de ser a última da lista: 1966. Favor tirar screenshot e mandar para os amiguinhos que falam que feminismo é mimimi.

Bologna universidade Museu palazzo poggi goliardia

Bologna universidade Museu palazzo poggi laura bassi primeira professora universitaria

O Palazzo Poggi fica na via Zamboni, o centro da Zona Universitária. A maioria dos prédios da universidade ficam perto, o que significa que também é cheio de bares e restaurantes baratos. A Piazza Verdi fica sempre lotada de estudantes, e quando o tempo permite muita gente compra bebidas nos bares lá perto e se senta lá. A Via Zamboni também fica cheia de grafites e manifestações sobre problemas da universidade atuais, então é bom para quem quer continuar a descobrir a história da UNIBO. É só passar um tempo lá também que a gente vê pessoas passando e recebendo o trote de quem forma – os formandos colocam coroas de louros na cabeça e os amigos os seguem cantando “Dottore, dottore del buco del cul, vaffancul vaffancul” (“doutor, doutor de buraco do cu, vai tomar no cu, vai tomar no cu”).

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