Volta ao Mundo em Livros – Myanmar: Smile as They Bow

Myanmar foi um dos casos em que a indicação de livro é quase unânime, e por isso escolhi Smile as They Bow, de Nu Nu Yi. Ele foi o primeiro livro do país a ser traduzido para o inglês e aparecer no circuito dos prêmios internacionais, apesar de ser censurado em Myanmar. Aliás, ele também é meu livro para o Desafio Viaggiando justamente na categoria de livros censurados em seus países de origem.

O romance acontece durante o Festival Taungbyon, que celebra os nats, os espíritos de pessoas importantes que morreram em situações violentas, e que acontece em uma vila perto de Mandalay três vezes por ano. A celebração dos nats existe em Myanmar desde antes do budismo, que é hoje a religião principal do país. A personagem principal é Daisy Bond, uma famosa natkadaws, pessoas que entram em contato com esses espíritos. O papel é tradicionalmente feminino, mas, hoje em dia, a maioria das natkadaws é transgênero.

É importante notar que a homossexualidade é ilegal no Myanmar. Então o festival funciona como uma válvula de escape, o único lugar onde muita gente pode expressar identidades reprimidas. Natkadaws são respeitadas no âmbito do festival, mas fora dele são um grupo marginalizado. Dentro do budismo, elas são vistos como incapazes de atingir o nirvana, porque ser transexual é se mover na direção errada e atrair karma ruim. A gente vê que Daisy se tornou uma natkadaw justamente por essa possibilidade de viver segundo o gênero com o qual ela se identifica. E o próprio festival também tem uma história controversa: ele tinha sido proibido pelos reis de Burma, mas foi autorizado pelos colonizadores ingleses para distrair a população, no melhor estilo pão-e-circo.

Daisy também tem um relacionamento com um homem trinta anos mais novo, Min Min, que ela comprou quando ele ainda era um adolescente. Ele é ao mesmo tempo um funcionário, um amante e algo bem mais abusivo: de novo, ele foi comprado quando era apenas um adolescente. Mesmo assim, Daisy depende dele e tem medo de que ele a largue por uma mulher mais jovem.  

Achei que em alguns momentos o livro tem tanta informação nova que se torna um pouco difícil de ler, mas isso nos serve muito bem na tentativa de contar sobre o Festival e explicar mais sobre a religião em Myanmar, inclusive suas complexidades e sincretismos, e de contar sobre relações de gênero e a vida daqueles perseguidos no país pelo que são. Gostei muito e recomendo o livro.

Deixe uma resposta