Volta ao Mundo em Livros – Egito: A Fila

Distopia tem lugar nesse projeto? Realmente me perguntei quando estava procurando um livro para o Egito e fiquei atraída pelo A Fila. O que mais me chamou a atenção foi a própria autora, Basma Abdel Aziz, que ganhou o apelido de “a rebelde” no Egito pela sua atuação como jornalista e como psicóloga atendendo vítimas de tortura. Então acabou o entrando no projeto, ainda com a missão de representar um livro sobre uma Ditadura, para o Desafio de Leitura Viaggiando. 

O romance segue vários personagens que esperam na fila do ominoso Portão. No regime onde eles vivem, todos os pedidos tem que passar por ali, mas, desde os Disgraceful Events, uma tentativa de golpe, o Portão está fechado e a fila cresce.

Um dos que esperam é Yehya, que levou uma bala perdida na época dos Disgraceful Events. Ele foi levado em um hospital, mas os médicos não tiveram coragem de retirar a bala porque a informação oficial era que nenhum tiro tinha sido disparado. Se era assim, como ele poderia ter uma bala na virilha? A saúde dele continua se deteriorando e ele procura autorização para a cirurgia, mas essa autorização produziria uma prova de que o governo disparou contra civis.

Os amigos de Yehya continuam a tentar achar os documentos do caso, principalmente um Raio X, mas, com a vigilância e o controle sobre a narrativa oficial aumentando, isso é a cada dia mais difícil.

“She tried to convince Yehya, that the bullet that had pierced his side and lodged itself in his pelvis was a fake bullet, and it wasn’t important to remove it, and that he no longer needed to trouble himself with who had shot him. But Yehya was not convinced, and he did not stop bleeding.”

O médico que o tratou, Tarek, continua com dúvidas sobre o dia em que ele foi trazido ao hospital. Tarek sabia que não podia remover a bala, mas ele também sabe que tem o dever de ajudar o seus pacientes e que Yehya está morrendo. Ele fica obcecado pelo arquivo do caso, que ele mesmo escreveu mas que depois foi editado. Ele o mantém trancado, mas ele continua sendo atualizado para trazer a versão atual do governo sobre o que aconteceu.

Yehya também troca histórias com as outras pessoas da fila: uma mulher que perdeu a filha mais velha por causa da burocracia em torno do sistema de saúde tenta salvar a filha do meio, que tem a mesma doença do coração, uma mulher quer denunciar o padeiro que se recusa a vender para ela por causa do candidato em que ela votou nas últimas eleições, uma professora está lá tentando salvar o emprego depois de deixar uma aluna escrever sobre as condições de vida do distrito. A maioria das pessoas da fila busca o Certificado de Cidadania Verdadeira, um documento provando que eles não são “subversivos” e nunca se envolveram em nada contra o regime.

O regime é relevante para falar do Egito, e cheio de referências à Primavera Árabe. Mas me deixa um pouco desconfortável como ele é referido como uma história tipicamente árabe. 1984 se passa em Londres com protagonistas chamados Wilson e Julia, mas é visto como universal. Admirável Mundo Novo, Nós, Laranja Mecânica são descritos como histórias universais, mas O Conto da Aia é uma história feminina e A Fila é uma história árabe. É um romance sobre totalitarismo e burocracia, com referências à Primavera Árabe. Ou seja, continuo perdida se distopia vale ou não vale.

 

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