Dia da Vitória – minhas experiências nos ensaios e nas ruas durante o festival que lembra a Segunda Guerra na Rússia

O Dia da Vitória comemora o fim da Segunda Guerra Mundial em um feriado enorme, imensamente popular e completamente politizado, que fecha grande parte da Rússia entre o meio de abril e o meio de maio. A festa foi instituída logo depois da guerra, e depois virou feriado, mas não era considerado um dos mais importantes do ano. Quando o comunismo ruiu, as festas oficiais não aconteceram por mais de uma década, até que Putin chegou ao poder. Eu já falei aqui no blog que existe uma confusão no governo dele, porque eles são nacionalistas mas não sabem que história glorificar. Eles têm uma relação ambígua tanto com o comunismo quanto com os tsares, mas acharam que a Segunda Guerra era algo que poderia ser festejado sem problemas, apesar de ter acontecido durante o stalinismo.
A imagem oficial da Segunda Guerra ensinada na Rússia é de uma sacrifício heróico que salvou o mundo. Aliás eles a chamam de Grande Guerra Patriótica. Para eles, os EUA só entraram quando a Rússia já tinha feito todo o trabalho, e são eles que merecem o crédito por derrotar Hitler. Tendo em vista os milhões que morreram no país, e como o mundo inteiro olhava Stalingrado e Leningrado como provas de que o nazismo podia ser derrotado, eu consigo entender isso.
Mas também tem alguns problemas de varrer para debaixo do tapete o que não se encaixa nessa narrativa. Alguns são óbvios, no meio da comemoração ninguém vai falar que Hitler e Stalin tinham um pacto, e que a URSS invadiu meia Europa antes de ser invadida pela Alemanha. Aliás, a Segunda Guerra na Rússia começa em 1941, quando a URSS foi invadida e nem um minuto antes. Todos os crimes de Stalin são justificados como necessários para barrar o mal maior de Hitler. Por outro lado, o próprio Holocausto é pouco lembrado, e muitos museus sobre a Segunda Guerra não incluem a palavra “judeu”. Mas tem algo mais sutil: mesmo a história do cerco de Leningrado (nome de Petersburgo então) é considerada trágica demais para o tom oficial de sacrifício triunfante, e é menosprezada. Mas hoje quero focar em contar três experiências: os ensaios para a festa no centro de Moscou, no Parque da Vitória e o Dia da Vitória em Petersburgo. Depois vou contar minhas experiências nos museus de Petersburgo, onde a história contada é um pouco diferente.

Ensaios do Dia da Vitória no centro de Moscou

Dia da vitoria moscou tanques
Eu estava trabalhando em um albergue na rua Tverskaya, a maior de Moscou, quando eles avisaram que ela ia fechar o dia todo para ensaios do desfile de tanques. Era bem legal vê-los da janela, até porque o Vagabond tem uma vista ótima, mas também achava meio estranho. Como é que fecham a maior rua da cidade para ficar preparando um desfile? E na verdade fechavam era meia cidade, porque a Praça Vermelha também era constantemente isolada para ensaios, além de estar coberta de cartazes enormes que impediam o acesso ao mausoléu do Lenin.
Sinceramente, a partir do meio de abril, ou venha para a Rússia para ver a parada, ou escolha outra época. Principalmente se você quer uma viagem rápida, de alguns dias, ela pode ser bem inconveniente, ou pode ser uma festa, dependendo do que você quer ver.

Dia da vitoria moscou praça vermelha decorada

O Parque da Vitória


O Parque da Vitória fica em Pokloni Hill, em uma das colinas mais altas de Moscou, e foi pensado nos anos 60 como um grande museu ao ar livre. Ele começa com monumentos à vitória contra Napoleão, que esperou lá em vão que alguém viesse render a cidade, inclusive com um grande panorama da batalha de Borondino do ponto de vista dos personagens de Guerra e Paz, do Tolstói. Também tem museus dedicados à Segunda Guerra, tanques e armas da época em uma parte que cobra ingresso, e vários templos, inclusive uma igreja ortodoxa, uma mesquita e uma sinagoga memorial.
Quando eu fui lá, alguns dias antes da parada, o parque também estava tomado por ensaios. Quase todo mundo que estava lá eram adolescentes de escolas militares, marchando juntos em volta do obelisco. No dia da festa mesmo, em nove de maio, também há desfiles de veteranos.

O Dia da Vitória em Petersburgo

Dia da vitoria petersburgo nevsky show aeronautica

Se você leu até aqui pensando em como a festa é militarizada, você está absolutamente certo. Tem muita glorificação do exército, com tanques antigos desfilando por Moscou e a aeronáutica e a marinha organizando espetáculos em Petersburgo. A festa também serve bem claramente uma ocasião para a Rússia mostrar seu poder militar mais moderno, principalmente na festa monumental em Moscou.

Quando eu cheguei em Petersburgo, vi uma programação enorme de shows aéreos e espetáculos organizados pela Marinha no rio Nevá. Mas uma das partes mais diferentes para quem tá lá é ver os russos que andam pelas ruas carregando fotos dos antepassados que lutaram ou foram mortos na guerra. Quando o Dia da Vitória realmente chegou, em nove de Maio, vi várias pessoas. Um casal de irmãos me viu falando em inglês e me perguntou de onde eu era. Depois começaram a me contar a história dos avós deles, que lutaram no cerco de Petersburgo. Eles falavam em russo, devagar e me perguntando o tempo inteiro se eu estava entendendo, e emendaram imediatamente a recomendação para ir ao Museu do Cerco.


Outra coisa que parece antiga, mas é bem nova, é os manifestantes usarem fitas de São Jorge. Elas eram usadas por alguns grupos de resistentes, inclusive alguns que lutavam do lado dos nazistas, então já era um símbolo polêmico, mas hoje simbolizam o apoio a Putin. Ele inclusive foi proibido em vários dos países vizinhos, para os quais ele representa o imperialismo russo. Eu vi muita gente usando boinas do exército vermelho e tinha uma que tinha ganho de um amigo, mas não quis usar porque não gosto de símbolos militares e porque acho melhor não usar quando não sei todas as implicações que um símbolo pode ter. Recomendo cautela para quem quer usar.

Dia da vitoria Petersburgo homenagens flores
Para mim ver os preparativos e a festa foi um misto de emoções. Lógico que é legal ver tanta gente nas ruas fechadas para carros. Gostei de conversar com as pessoas carregando fotos dos antepassados. Por outro lado, ver a glorificação do exército é algo que me deixa extremamente desconfortável. Ver os crimes de Stalin justificados como necessários para salvar o mundo me deixa preocupada com o nosso futuro. Mas foi uma experiência, e recomendaria para quem se interessa pela história da Rússia.

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Asdistancias blog especiais segunda guerra 2

A primavera na Rússia foi cheia de festivais. Fiz um post contando sobre eles aqui, não perca se você quiser visitar nessa época.

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