Volta ao Mundo em Livros: Haiti – The Dew Breaker

O livro que eu escolhi para o Haiti é difícil de classificar. Ele pode ser lido como contos separados, mas eles têm um efeito cumulativo. Personagens voltam sob outras perspectivas, personagens secundários se tornam protagonistas em outros momentos, a gente descobre relações entre uns e outros. Até a metade do livro ele pode parecer sem foco, mas quando você finalmente começa a lê-lo como um romance, a recompensa é enorme.

O nome do livro é The Dew Breaker, tradução escolhida pela autora, Edwidge Danticat, para chouket lawoze, expressão usada no Haiti dos ditadores Papa Doc e Baby Doc para torturadores. Eles apareciam para buscar suas vítimas de noite ou no início da madrugada, rompendo o orvalho (“They’d also come before dawn, as the dew was settling on the leaves, and they’d take you away”).

Um dos personagens recorrentes do livro é um dew breaker, como ele diz, não um dos grandes, mas um competente o bastante para garantir que quem passou pelas suas mãos nunca conseguisse contar sobre o que aconteceu. Nós vemos várias visões indiretas dele: de uma mulher que ele torturou porque ela não quis dançar com ele, e que agora o vê em todos os lugares, do filho de um casal que ele assassinou, que o reconhece no exílio, da própria esposa, uma mulher religiosa admirada com a sua transformação em um homem pacífico, passando os últimos anos no Brooklyn, da filha de ambos, que não sabe quem ele era.

Todos os personagens são assombrados pela história de ditadura e violência do Haiti no século XX. E em todos ao redor do dew breaker ela criou cicatrizes, não só a violência, mas o silêncio em torno dela, o esquecimento, a isolação. Na história de Nadine, por exemplo, vemos uma jovem enfermeira que não consegue socializar com as outras e luta para se comunicar com os pais, enquanto trata pacientes que perderam a voz. A idéia é bem forte, ela não é diretamente uma vítima da violência da ditadura, mas uma herdeira dos seus silenciamentos.

Em muitos trechos, a idéia não é propriamente sobre a memória do que aconteceu, mas sobre o que fazer com essa memória. O que fazer quando você vê na rua o homem que matou seus pais? Quando você acha que reconheceu na igreja um torturador famoso? O que faz o torturador quando acha que cada cliente que entra na loja pode reconhecê-lo e expô-lo pelos seus crimes?

Uma tentativa polifônica de lidar com a memória e as conseqüências da história, que foi bom tanto para conhecer um pouco sobre o Haiti como para pensar no nosso país.

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