O Museu do Gulag em Moscou

Depois da minha péssima experiência com a Casa do Terror em Budapeste, que acabou sendo propaganda da extrema direita, pensei duas vezes antes de ir ao Museu do Gulag em Moscou. Primeiro conferi quem era o historiador responsável, e descobri que era o Anton Antonov-Ovseyenko, um sobrevivente dos campos com reputação de ser super sério. Procurei saber quem financiava e não apareceu nada suspeito. Só por segurança procurei no Google “Gulag museum Moscow controversies”, e como nada suspeito apareceu, resolvi ir lá conferir.

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Pelo que li por aqui, geralmente os gulags são vistos pelos russos como um efeito colateral da industrialização e da vitória contra os nazistas, ambas vitórias que aconteceram durante o período Stalinista. Então não é que ele seja esquecido, mas é visto como um mal necessário e deixado de lado como algo em que as pessoas preferem não pensar muito, e focar no que aconteceu de bom no mesmo período.

O museu fala do período entre a Revolução e a desestalinização. Ele fala que os Gulags começaram em 1918, como campos de concentração. Inclusive GULag em russo é abreviação de Главное управление лагерей, russo para Administração Geral dos Campos, sendo que para “campos” eles usam a palavra alemã lager, a mesma usada para os campos de concentração nazistas. O museu fala sobre a paranóia no período stalinista, quando pessoas podiam ser presas por infrações pequenas e condenadas a passar anos no Gulag. Ele fala sobre os grandes julgamentos em que centenas de pessoas eram condenadas depois de passar por torturas e processos sem garantias legais. Gostei de ver citada a Conspiração dos Médicos, mas nesse ponto achei que faltou mencionar o lado anti-semita dessa perseguição (se você concorda ou quer saber mais sobre isso, vale a pena ir ao Museu Judaico de Moscou, lá do lado, sobre o qual vou falar em um dos próximos posts)

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Uma parte grande do museu é dedicada à memória dos sobreviventes, o que me interessou muito porque na faculdade sempre gostei de ler sobre as relações entre memória e história. Em uma sala, ficava tocando um vídeo em que sobreviventes se alternavam para contar suas histórias, alguns deles andando por Moscou e mostrando os prédios em que ficaram presos. Duas vezes por mês, o museu publica novas entrevistas, parte do projeto My GULag para preservar essas memórias. Do outro lado, ficava tocando um vídeo de propaganda stalinista, mostrando os progressos como a eletricidade e o bonde, brincando com aquela idéia de que os campos são apenas um efeito colateral do progresso da qual falei acima.

Uma parte bem tocante é ver os objetos feitos pelos prisioneiros, como essa antena improvisada.

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Também gostei muito de como eles falam da importância econômica do Gulag. Ter um contingente tão grande da população trabalhando em obras de infra-estrutura sem remuneração acabou se tornando uma parte importante da economia do período, que Stalin via como indispensável. Cerca de 200 mil prisioneiros trabalharam nas obras do canal Moscou-Volga, duas vezes o número de pessoas que trabalharam nas pirâmides do Egito. As sete irmãs, os famosos prédios em estilo bolo-de-noiva espalhados por Moscou, também foram construídos com esse tipo de trabalho.

No final, o museu foca nas histórias daqueles que retornaram com o fim do período stalinista, e como eles não podiam falar sobre isso, e a história continuava abafada. Tinha um pouco uma mentalidade bem parecida com a de alguns brasileiros de “se tava na cadeia, coisa boa não era” e um pouco de medo que fazia com que as pessoas se afastassem, recusassem-se a ouvir. Nessa parte tem o relato do historiador Lev Gumiliov, filho dos poetas Nikolai Gumiliov e Anna Akhmatova, que foi preso e mandado ao Gulag por décadas para inibir a mãe de escrever contra Stalin.

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Finalmente, o museu fala um pouco sobre o famoso discurso-secreto-que-viralizou em que Nikita Khruschev denunciou o culto de personalidade durante o governo stalinista, e como ele foi responsável por fechar a maioria dos campos nos próximos anos. No final, o museu propunha três reflexões aos visitantes, e deixava post-its para que pudéssemos pregar nossas respostas na parede.

  • Isso não acontecerá de novo, se eu…
  • Para entender o passado, você deve…
  • O que nós deveríamos fazer hoje para prevenir o retorno do passado amanhã?

Ou seja, eu estava com medo de uma palhaçada como a Casa do Terror, construída basicamente para dizer “foram os alemães e russos, nós húngaros inocentes não temos nada a ver com isso”, e o museu fez exatamente o contrário e chamou para todo visitante, toda pessoa, a responsabilidade de aprender, de evoluir, de impedir que isso aconteça de novo. Gostei muito disso.

Depois de ver a exposição permanente subi para o quinto andar, onde ficam as exposições temporárias. Pelo que li, elas costumam ser relacionadas com produção artística feita por prisioneiros, e geralmente são muito boas.

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Quando eu voltei para o albergue, tava batendo papo com os funcionários e contando aonde eu estive. Um deles russo me disse que é uma história mais próxima que a gente imagina, porque ainda existem prisões que usam trabalho não remunerado / parcamente remunerado em larga escala, tanto na Rússia como em outros países, como os Estados Unidos. Uma hóspede russa nos ouviu, entendeu só a palavra Gulag e me disse na hora que ela tinha ido em Solovki, onde fica o primeiro campo, e que as coisas não eram “beeeem assim”. A visão dela era bem parecida com essa da qual falei, de que foi um efeito colateral triste de realizações magníficas, algo sobre o qual não vale a pena falar. Obviamente, continua uma controvérsia.

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O Museu da História do Gulag abre das 11 às 19 às terças, quartas, e de sexta a domingo. Às quintas, ele abre das 12 às 21. Ele fecha às segundas e nas últimas sextas feiras do mês. O ingresso custa 300 rublos para adultos, 150 para estudantes estrangeiros e é gratuito para quem está estudando em uma universidade russa. Todas as partes da exposição tem tradução em inglês, e os vídeos são bilíngues.

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