Bairro da Luz Vermelha: onde igrejas, escolas e vitrines de prostitutas convivem em Amsterdam

A primeira vez que eu visitei o bairro da luz vermelha foi de manhã. Eu visitei a Oude Kerk, uma igreja medieval incrível. Eu dei a volta na igreja distraída, e de repente percebi que estava cercada pelas famosas vitrines. Eu realmente não tinha esperado que elas iam estar do lado de uma igreja às dez da manhã, então foi um susto. Depois percebi que a prostituição na Holanda não é só legalizada, mas acontece normalmente a qualquer hora do dia, perto de igrejas e jardins da infância, e que essa não é para os holandeses a colisão de dois mundos que é para a gente. Também fica em frente à igreja a famosa estátua de bronze que mostra uma mão acariciando um seio, uma homenagem às prostitutas em todo o mundo.

Bairro Luz Vermelha Oude Kerk igreja Amsterdam

A Oude Kerk é o prédio mais antigo de Amsterdam. Hoje ela ainda funciona como igreja, mas mais frequentemente como centro cultural, e costuma ter exposições. Todo ano eles têm duas grandes: uma centrada no conceito de tempo, e uma centrada no conceito de espaço. Mas não é nem a única igreja que visitei no Bairro da Luz Vermelha. Lá do lado visitei a igreja de Nosso Senhor no Sótão, ou, em holandês, Ons’ Lieve Heer op Solder. Ela foi construída no século XVII, quando o catolicismo foi proibido na Holanda, então por fora ela parece uma casa normal. Só quando você entra, você vê que os três últimos andares foram transformados em uma igreja escondida.

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Créditos: divulgação

Essa é uma das muitas igrejas escondidas que foram construídas nesse período. Mas vale a pena falar que elas não eram tão secretas quanto a gente imagina. Afinal, se você visse trezentas pessoas entrando em um prédio comum, bem vestidas, todo domingo, você não ia suspeitar? Mas o governo holandês agia com essas igrejas da mesma forma como ele age com os coffee shops que vendem maconha hoje, tolerando. Contanto que você pague seus impostos, não incomode ninguém e não faça propaganda do que você está fazendo, o governo não vê motivos para te incomodar.

Amsterdam Bairro da Luz Vermelha Neve caindo
O Bairro da Luz Vermelha também foi especial para mim porque foi o primeiro lugar em que vi neve caindo!

Eu andei um pouco pelo bairro e vi várias janelas com prostitutas, mas tinha vontade de voltar de noite, só que fiquei na dúvida se era seguro. De noite, no meu albergue, vi um cartaz que dizia “Quer visitar o Bairro da Luz Vermelha e tá com medo de ir sozinho? Venha com a gente”. Era um tour do Sandemans pelo bairro, e pensei: pronto, perfeito.

No tour, eles explicam que o lugar é apenas o mais famoso de vários bairros da luz vermelha que existem em Amsterdam. Primeiro, eles levaram a gente pelo bairro apontando sex shops, lugares de espetáculos de sexo e bares de sexo anônimo, ensinando a gente a reconhecer as preferências de cada lugar pelas bandeiras.

Depois, eles explicaram as vitrines. Por muito tempo, a prostituição na Holanda foi proibida, mas tolerada. Assim como as igrejas católicas escondidas e como as drogas hoje em dia. A prostituição foi legalizada e reconhecida como trabalho em 1988, mas a prostituição de rua é ilegal. Por isso, as vitrines, que funcionam como um meio-termo: a prostituta pode ser vista, mas não está na rua.

Para trabalhar como prostituta, uma mulher deve receber uma permissão do governo. Toda ano, ela deve ir sozinha em um órgão do governo para renovar essa permissão, e espera-se que lá ela tenha a liberdade de dizer se ela está sendo coagida a trabalhar na prostituição. Ela também deve visitar um médico regularmente, e todo quarto tem um botão de pânico para o caso de ela se sentir ameaçada. Apesar do trabalho ser reconhecido, vistos não são emitidos, então ele só pode ser exercido por cidadãs ou residentes da União Européia, além de mulheres casadas com holandeses, maiores de 21 anos. Não foi isso que aconteceu, infelizmente, e sabemos que muitas das mulheres que estão lá são vítimas da escravidão moderna que é o tráfico humano. Que pela lei elas não deviam ter cafetões, mas frequentemente é isso que acontece. Com preocupações sobre crime organizado e lavagem de dinheiro, muitos lugares de prostituição tem sido fechados. Uma ONG ficou famosa com uma campanha chamativa falando do problema.

Tirar fotos é proibido. Como disse a minha guia: “Não tire fotos das vitrines pensando em como seria engraçado postar no facebook com a legenda ‘Minha namorada holandesa’. A mulher que você tá fotografando não é sua namorada, não quer aparecer no seu facebook, provavelmente não é holandesa, e grande chance de ela sair da cabine puta da vida para jogar sua câmera em um canal.”

Também aprendemos que as ruas são divididas por fetiches. Tem a rua das latinas, a rua das negras, a rua das asiáticas, a rua das transsexuais. Nós resolvemos fazer uma aposta no nosso tour. A guia nos disse que a maioria dos clientes paga pelo programa básico (suck-and-fuck), 50 euros por 20 minutos, mas que não duram nem sete. Como muitos caras estavam negociando nas vitrines, cada um escolheu seu campeão e decidimos que quem tivesse escolhido o cara que durasse mais, ganharia. Depois de dez minutos, todos tinham saído.

A minha visita foi bem positiva, mas lembro de um aspecto ruim: o guia mesmo falou que eles não gostam de tours porque espantam os clientes. E agora tenho lido muito sobre as tentativas de fechar o bairro por causa do tanto de turistas que têm aparecido em Amsterdam só para ver mulheres semi-nuas e usar drogas. Vamos ver o que vai acontecer em breve.

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