Fortaleza de São Pedro e Paulo em Petersburgo

Dizem que quando Pedro I, fundador de Petersburgo, colocou a pedra inaugural da Fortaleza de Pedro e Paulo, ele disse que a cidade seria construída ali, e uma águia passou voando. Claro que é uma lenda, mas que já mostra a posição da Fortaleza no imaginário da população como o marco fundador. Os documentos mostram que no dia em que as construções foram começadas, Pedro I nem estava em Petersburgo, mas os mitos continuam existindo.

Petersburgo Fortaleza de Pedro e Paulo do outro lado do rio Neva
A Fortaleza vista do outro lado do rio Nevá

Petersburgo Fortaleza de Pedro e Paulo da ponte Troitski

A Fortaleza foi construída em formato de estrela pelo arquiteto italiano Domenico Trezzini. Ela fica na Ilha Zaiachi, nome que em russo significa lebre, e o que não faltam lá são estátuas de lebres. Quando visitei tive até um momento de dúvida, pensando se a páscoa não tinha passado, até lembrar o que a palavra significava. A Fortaleza tem entrada gratuita, e os russos usam isso muito para ir tomar sol do lado de fora. É ótimo para ver a vista. Só precisa comprar ingresso para entrar nos prédios, e aproveitei um ingresso combinado para ver vários deles.

Petersburgo Russia vista da fortaleza de Pedro e Paulo

Um dos prédios mais famosos lá dentro é a Catedral de Pedro e Paulo. Ela era conhecida como lugar de enterro dos Romanov, e todos os tsars desde Pedro I estão lá, com exceção de Pedro II (que brevemente mudou a capital de volta para Moscou, então deixa ele lá) e Ivan VI (que assumiu o trono aos dois meses, sofreu um golpe da prima Elizaveta em pouco mais de um ano e passou o resto da vida em cativeiro). A família imperial foi trazida para cá em 1998, quando eles foram proclamados santos da igreja ortodoxa, e a imagem deles como ícones é praticamente onipresente em igrejas russas.

Petersburgo Fortaleza de Pedro e Paulo 2

Petersburgo Fortaleza de Pedro e Paulo catedral

Também lá dentro fica uma temida Prisão Trubetskoy, que já chegou a ser conhecida como a Bastilha russa. Hoje ela foi transformada em um museu, mas um museu bem estranho. As celas são decoradas e contam a história de vários dos prisioneiros mais famosos, mas apenas dos revolucionários e dos terroristas, ou seja, aqueles que estavam presos por motivos mais compreensíveis. Falam de Tito, de Gorki (mas focando que ele nem ficou preso tanto tempo), Chernishevski. Trótski é, mais uma vez, esquecido. E o foco é em como as condições nem eram tão ruins, embora todos fossem presos em regime solitário, o que é bem pior que não ter tabaco ou café, que é no que eles focam.

Petersburgo Fortaleza de Pedro e Paulo prisão Trubetskoy cela

Eles não falam de Dostoiévski, preso ali por nove meses e condenado à morte por ler e ter a intenção de traduzir livros proibidos. A execução era uma farsa, uma tortura psicológica planejada pelo tsar em pessoa, e depois ele acabou passando mais de uma década entre trabalhos forçados na Sibéria, com as mãos e pés acorrentados o tempo todo, e serviço militar obrigatório.

Também não falam do primeiro prisioneiro da ilha, o tsarévitch Aleksei. Ele foi o único filho do tsar Pedro I a chegar à idade adulta. A relação deles era difícil para dizer o mínimo, e em um ponto Aleksei chegou a fugir para Viena e se colocar sob a proteção do Imperador Carlos VI. Pedro conseguiu trazê-lo de volta a Rússia com a ajuda do Conde Tolstói, um antepassado do romancista. Imediatamente todos aqueles próximos de Aleksei foram mandados para a prisão. Pedro mandou torturar o próprio filho, mesmo depois que a sentença de morte já tinha sido decidida, paranóico para descobrir todos os conspiradores. Depois ele foi assassinado e enterrado na ilha mesmo.

Petersburgo Fortaleza de Pedro e Paulo prisão trubetskoy corredor

Pensei se eu também não estava um pouco paranóica em achar que eles estavam evitando de propósito colocar os nomes dos que foram torturados e mortos lá, mas aí um louco atacou uma das pinturas mais famosas da Galeria Tretiakov porque nacionalistas acham que retratar Ivan, o Terrível, tendo matado o filho é uma calúnia inventada no exterior. E eu decidi que eles estavam fazendo algo bem parecido ao omitir as histórias do tsarevitch Aleksei e de Dostoiévski, que costumavam ser contadas lá até pouco tempo atrás.

O terceiro lugar que visitei lá dentro foi a Casa do Comandante, onde fica o Museu de História de Petersburgo até 1917 (a história depois de 1917 é contada na segunda sede do museu, na Mansão Rumiantsev, que eu visitei na Noite de Museus). As primeiras salas foram dedicadas às vilazinhas suecas que existiam no local antes da conquista de Pedro I, o que já o colocou para mim como um museu que seria bem diferente da prisão, porque os saudosos do tsarismo gostam de agir como se ele tivesse criado a cidade no nada. Depois ele fala do medo de um ataque sueco e das várias etapas de construção, inclusive com uma sala que, para mostrar a mente de Pedro, tem o formato da cabine de um navio.

Petersburgo Fortaleza de Pedro e Paulo casa do governador

Uma parte enorme do museu é dedicada a contar a história dos Dezembristas. Ela foi uma revolta de oficiais contra a ascensão ao trono de Nicolas I, depois da remoção de seu irmão Constantino da linha de sucessão. Eles pediam igualdade perante a lei, a abolição da servidão, e a limitação da monarquia com uma constituição. Seu lema: Constantino e Constituição. Uma anedota da época diz que alguns deles achavam que constituição, em russo Konstitutsia, era a esposa de Constantino.

Eles passaram horas de pé na Praça do Senado (que a população russa ainda conhece como praça dos Dezembristas) até que Nicolas ordenou que os guardas disparassem contra eles. 124 foram condenados, e a maioria deles foi mandada para a Sibéria com as mãos e pés acorrentados. Lá muitos deles passaram a viver como os camponeses ao seu redor, e tentaram melhorar as condições de vida na Sibéria construindo escolas, inclusive para mulheres. Eles se tornaram uma influência enorme na Rússia da época, sendo repetidamente citados tanto por Dostoiévski (que recebeu uma bíblia da esposa de um dezembrista quando ele próprio foi mandado para a Sibéria, e a guardou como um tesouro por toda a vida) como Tolstói (que admirava os ideais deles de viver como camponeses).

Na sala onde eles foram julgados, um monumento foi colocado com o nome de todos os mortos, exilados e presos. As salas ao redor são dedicadas a contar a história.

Petersburgo Fortaleza de Pedro e Paulo casa do governador dezembristas

Grande parte do museu se dedica a mostrar como a cidade evoluía. Um panorama enorme da Avenida Nevski em um quarto permite que a gente levante trechos para descobrir o que os prédios eram por dentro. Quando elas eram fábricas, mostram o que elas produziam, quando eram lojas, o que vendiam. Maquetes mostram como eram os prédios por dentro, parecendo enormes casas de bonecas. Salas falam da vida cultural, dos teatros, dos cartazes pregados na cidade, outros de invenções que revolucionaram o cotidiano, da água encanada, das privadas, das banheiras.

Gostei bastante do museu, que é muito informativo e interativo. Nem tudo está traduzido para o inglês, mas toda sala tem pelo menos as informações principais, e daí creio que já dá para explorar.

Petersburgo Fortaleza de Pedro e Paulo casa do governador maquetes 2

Finalmente, fui em um outro museu lá dentro, no Neva Curtain Wall, dedicado à História da Fortaleza. Ele tem alguns artefatos que foram escavados durante reformas e renovações que mostram as várias etapas de construção, além de um vídeo informativo (na época era só em russo). Esse era bem menor, e foi uma visita mais rápida.

Petersburgo Fortaleza de Pedro e Paulo interior do forte 3

Vi um pequeno museu com uma propaganda sobre uma exposição temporária de cartazes de propaganda soviéticos, e fui lá conferir. Estava incluída no meu ingresso, e pude visitar,o que foi ótimo porque ela era bem completa, com cartazes de todos os períodos e não só do início, como a gente vê mais comumente. Pena que não podia fotografar. Depois fui no pequeno Museu dos Cosmonautas, último item no meu ingresso combinado. Tive que visitar correndo, mas foi bom ter deixado por último porque eu já tinha visitado o primo maior em Moscou, que é gigantesco e onde eu tinha passado um bom tempo. Aliás, se não fosse pelo ingresso combinado, provavelmente nem teria ido.

Petersburgo Fortaleza de Pedro e Paulo interior 4

Na ilha também há alguns museus privados, como um que te permite andar em cima dos prédios para curtir a vista, ou um que tinha uma mostra sobre o Egito Antigo. Não fui em nenhum deles. Almocei na cafeteria de lá, uma Stolovaya russa bem típica, em que a comida está exposta, você escolhe o que quer e paga por item.

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