As histórias inacreditáveis de algumas igrejas russas sob o comunismo

O que fazer com uma enorme rede de igrejas em um país que agora é oficialmente ateu? Essa era uma dúvida que sempre tive, o que aconteceu com as igrejas russas quando o comunismo as proibiu, e por isso pesquisei as histórias de várias igrejas russas. Algumas delas continuaram a funcionar assim por todo o período. Muitas foram demolidas. Outras tiveram soluções mais… criativas. Então queria contar um pouquinho das histórias delas.

 

O Museu do Ateísmo

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A Catedral de São Isaac foi feita para ser a maior de Petersburgo e uma das maiores do mundo. Ela seria o símbolo da fé ortodoxa e dos Romanov, e custou mais de um milhão de rublos de ouro.
Durante o comunismo, lógico que surgiu a idéia de demoli-la. Mas eles acabaram decidindo mantê-la porque qualquer um que visse o tamanho e a suntuosidade do prédio ia entender na hora porque era necessário acabar com as religiões. Que veriam que ela era realmente o ópio do povo, e os padres se passavam por aliados dos oprimidos enquanto eram sustentados pelos opressores. Sinceramente, eu acho que faz sentido. Quem consegue ir a Versalhes sem pensar que todo aquele excesso está nas raízes da Revolução Francesa?
Muitos dos ornamentos religiosos foram tirados para dar lugar ao Museu das Religiões e do Ateísmo, e a grande escultura na nave foi substituída por um pêndulo de Foucault.
Hoje ela funciona como igreja novamente, mas os serviços só ocorrem na nave maior em feriados religiosos.

 

O Salvador sobre as Batatas

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Em 1881, o tsar Alexandre II foi assassinado em São Petersburgo. No lugar em que ele foi fatalmente ferido, foi construída uma Igreja em sua homenagem. O nome oficial dela era a Igreja da Ressurreição de Cristo (Собор Воскресения Христова), mas ela sempre foi conhecida como a Igreja do Salvador Sobre o Sangue Derramado (Церковь Спаса на Крови). Ela se destaca muito na cidade porque esse estilo, reminiscente do medieval russo, era proibido na cidade. Prédios em Petersburgo tinham que ser construídos em estilo neoclássico ou barroco. Mas foi decidido fazê-la assim por um nacionalismo romântico que estava em voga então (acho estranho que ela seja considerada “mais autenticamente russa” do que a maioria de Petersburgo pelos turistas, que reclamam que a cidade é europeia demais, enquanto o mesmo pseudo-medievalismo, pelo mesmo motivo, faz o bairro gótico de Barcelona ser esnobado…).
Durante a Revolução de Outubro, a igreja foi saqueada. Durante a Segunda Guerra, enquanto a cidade estava sitiada pelos alemães, ela foi usada como necrotério. Depois, foi usada como depósito de vegetais, ganhando o apelido entre a população de “Salvador sobre as batatas”.
Ela nunca foi reconsagrada e hoje funciona como um museu.

 

O Museu da Emancipação Feminina

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O Convento de Novodevichi foi construído no século XVI, e desde então teve um papel importante na história russa. Ele era frequentado pela aristocracia russa. Nas obras de Tolstói, que morava lá perto, foi onde Liovin conheceu sua esposa e onde Pierre deveria ser executado. É onde estão enterrados Tchékhov, Gógol, Bulgákov e Shostakovich, entre outros.
Em 1922, durante o período comunista, a maior parte dos prédios foi transformada em prédios de apartamentos, o que provavelmente o salvou da demolição. Grande parte do convento virou um museu de história e arte dedicado à Emancipação Feminina. Hoje algumas das igrejas e prédios ainda fazem parte do Museu Nacional Russo, e a igreja foi reconsagrada. Ele é um passeio imperdível em Moscou, e já teve até post próprio.

 

A pista de patinação no gelo

A Igreja da Assunção de Maria, em São Petersburgo, fica na beira do rio Neva, na ilha Vassilievski. Ela foi fechada após a revolução, e por um tempo foi usada como um armazém. Depois os afrescos foram pintados de branco, e ela se tornou o primeiro rink artificial de patinação no gelo da então Leningrado. Em 1991, ela foi devolvida para a Igreja Ortodoxa, e restaurada. Hoje ela é uma igreja novamente. Sinceramente, essa até me deixa triste. Podiam ter renovado os ícones, claro, mas imagina que legal se tivesse os ícones e a patinação no gelo, tudo junto. Eu adoraria.

 

O Quartel da Polícia Secreta

Perto da Igreja do Mártir São Jorge em Moscou ficava a notória Lubianka, o quartel general da KGB. Durante a época soviética, a igreja foi usada como residẽncia pelos agentes, completa com cozinha, banheiros e quartos.

 

O Banheiro Público

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A Catedral de Kazan fica na Praça Vermelha, e por isso é um ponto turístico muito famoso de Moscou. No entanto ela é uma reconstrução, já que a original foi demolida em 1936. Diz a lenda que ela estava no caminho dos desfiles comunistas. Primeiro o lugar foi ocupado por um pavilhão temporário que homenageava o comunismo, e depois virou um banheiro público. A reconstrução começou em 1990, logo que o comunismo caiu.

 

O palácio e a piscina

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A Catedral de Cristo, o Salvador, em Moscou, foi originalmente construída para comemorar a vitória contra Napoleão em 1812. Ela foi demolida em 1931, com planos da construção de um enorme arranha-céu com 415 metros e uma estátua de Lenin no topo. Ele seria o prédio mais alto do mundo. A construção começou em 1937, mas as fundações do prédio foram usadas em outras construções mais urgentes durante a Segunda Guerra, e depois os planos nunca recomeçaram.

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Crédito: wikicommons

Foi construída uma piscina, que também tinha um superlativo, era a maior piscina aberta do mundo. Ela também era aquecida, para que pudesse ser aproveitada pelos moscovitas em várias épocas do ano.

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Crédito: wikicommons

Com o fim do comunismo, ela foi reconstruída no lugar original, só que em concreto e plástico ao invés de mármore e bronze. Essas reconstruções são muito controversas na Rússia, e vários moscovitas com quem conversei sentiam que dinheiro demais estava sendo gasto nisso e que as novas igrejas eram suntuosas demais, e não tinham a elegância sutil das igrejas antigas. A Igreja do Cristo Salvador é a igreja ortodoxa mais alta do mundo, outro superlativo, com um pouco mais de cem metros, e foi onde os Romanovs foram canonizados. Também é famosa por ser onde ocorreu o protesto do Pussy Riot, em que algumas das integrantes chamaram o Putin de ditador, expuseram sua conexão com a igreja ortodoxa e falaram de outros problemas sociais na Rússia atual. Por causa disso, duas delas foram condenadas por “hooliganismo motivado por ódio religioso”, no que a Anistia Internacional chamou de uma prisão política. A igreja acabou se tornando um símbolo da corrupção na Igreja Ortodoxa e sua influência indevida no governo.

 

A Prisão

O Monastério Andrikhov do Salvador é uma igreja medieval muito preservada em Moscou. Durante o comunismo, era também uma prisão política, onde inimigos do estado eram trancafiados. Desde então, ela voltou à posse da igreja ortodoxa e abriga o Museu Andrei Rubliov de Arte Russa.

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