Volta ao Mundo em Livros: Lituânia – Vilnius Poker

O livro que eu escolhi para a Lituânia foi Vilnius Poker, de Ričardas Gavelis, principalmente por causa do que a Camila escreveu no 198 livros. Parecia o livro perfeito para mergulhar na história e na cultura da Lituânia, e realmente foi.

O livro é pesado, difícil. Não só por causa de todas as referências históricas e culturais, mas também pelo próprio estilo modernista e pelo primeiro narrador.

O livro começa com a narração de Vytautas Vargalys, um sobrevivente de onze anos em um gulag russo. Essa experiência desumanizadora nos faz simpatizar com ele, mas não torna a narrativa circular mais fácil de ler. Ele desenvolveu uma forte paranóia, e passa grande parte do livro procurando por eles, os grandes responsáveis por incontáveis tragédias na história da humanidade, inclusive por suas próprias perdas. Ele volta sempre aos mesmos acontecimentos, aos temas que o obsessionam, pássaros, folhas mortas, merda, neblina, genitálias desfiguradas, cachorros de rua, olhos, eles, eles acima de tudo, em toda esquina. Todos os outros símbolos parecem sinalizar o aparecimento deles. Além disso, o personagem é extremamente misógino, e vi que muitas pessoas desistem nas primeiras 300 páginas porque não o suportam mais. É difícil se conectar com a voz dele, mas ele é a força motriz do livro.

E realmente nesse ponto eu vi que Gavelis tinha a narrativa sob controle. A narrativa passa para suas colegas de trabalho, Martynas e Stefanija, e para um cachorro de rua de Vilnius. É fundamental para o livro, porque Vytautas está tão preocupado com juntar fatos sobre eles que ele não nota nada ao seu redor, e os outro personagens parecem por isso pouco desenvolvidos. É nas outras partes que os vemos como pessoas, ao invés de esboços ou caricaturas.

Também temos outras perspectivas de vários acontecimentos, que de vez em quando se completam e frequentemente se contradizem. Não é uma questão de procurar pistas para descobrir quem tá certo, mas de abraçar a contradição e o caos. Quantas vezes vemos testemunhas de um crime que dão versões aparentemente irreconciliáveis do que aconteceu, mas nenhuma delas é propriamente uma mentira, apenas o que eles viram e interpretaram? É isso que acontece aqui.

E só por meio das visões cruzadas é que temos uma visão real de Vilnius, e que a cidade se torna um personagem.

Vilnius is a city of identical little cement boxes. A city of identical little clay figures. A city of identical tears and identical sperm. If some giant were to suddenly mix everything up completely, all the houses, the people, the tears, and the sperm, if he were to switch everything’s place and muddle it all up, absolutely nothing would change.

Eu estava lendo esse livro quando estava na Lituânia, e me recomendaram ir na Rua da Literatura (Literatų gatvė em lituano), uma rua decorada por artistas com homenagens a obras lituanas, ou que são importantes para o povo e influentes na arte do país. Gavelis estava lá.

Rua da literatura Vilnius Lituania

Ricardas Gavelis Vilnius Lituania rua da literatura

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