Roteiro de O Mestre e Margarida em Moscou

Nos anos 30, o escritor Mikhail Bulgakov escreveu pessoalmente várias cartas para Stalin. Ele estava sob ataque dos críticos do partido, e suas peças continuavam sendo censuradas. Ele pede permissão ou para emigrar ou para poder trabalhar no teatro. A resposta foi sem precedentes: um telefonema pessoal de Stalin, que lhe arranjou um trabalho no Teatro de Arte de Moscou. Dizem que o ditador amava tanto a sua peça Dias de Turbin, que era sobre o exército branco, que a tinha visto catorze vezes no teatro, e sabia algumas falas de cor.

Apesar de aterrorizado com o clima de perseguição política do Grande Terror e a paranóia com espiões, Bulgakov começou nessa época um romance que, no entanto, falava disso tudo, além de problemas mais cotidianos dos moscovitas como os apartamentos divididos. Em O Mestre e Margarida, o diabo em pessoa resolve visitar uma Moscou que não acredita nele. Acompanhado de uma bruxa nua, um gato preto, um falso intérprete e um capanga, ele resolve fazer um show de magia negra. E claro que as duas Moscous, a real e a fantasmagórica, têm muito em comum. Ambas são, por exemplo, lugares onde uma pessoa pode desaparecer sem mais explicações, onde privilégios abundam, onde a burocracia sufoca.

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“com o gato, não pode!”

Bulgakov não tinha ilusões de poder publicar seu romance na Rússia. Ele começou a escrevê-lo pela primeira vez e o queimou quando outro romance seu, A Cabala dos Hipócritas, foi censurado. Seus diários foram levados pela polícia secreta e depois restituídos, e ele os queimou também. Depois ele reescreveu o romance. Quanto aos diários, a polícia secreta tinha cópias datilografadas. Qualquer um que leu o romance entende na hora o que aconteceu. Manuscritos não queimam.

Ele só sairia na imprensa russa 27 anos após sua morte, censurado. Os fãs se encarregavam de distribuir cópias completas em samizdat, a imprensa ilegal, ou de datilografar e grampear os trechos proibidos no original. A obra imediatamente virou objeto de culto, e os fãs iam até o apartamento onde o diabo se hospedou para grafitar as frases do romance na parede. Os melhores costumavam ser mantidos mesmo quando o prédio era pintado, o que significa que por anos dava para ver várias camadas de tinta na parede. Várias frases entraram para o vocabulário russo, como “manuscritos não queimam”, “sem documentos, não há pessoa” e “frescor de segunda classe”.

Esse é o itinerário dessa peregrinação literária, para quem é fã:

As Lagoas do Patriarca

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São nas Lagoas do Patriarca (hoje em dia tem só uma, mas o nome vem do século XVII) que o romance começa. Existe lá uma placa avisando os incautos para não conversar com estranhos, o grande erro de Berlioz e Bezdmomni. Às vezes quando eu ia ela tava lá, as vezes não. Fiquei com a impressão que ela é sempre roubada por fãs do romance e tem que ser reposta.

Fica a seu critério procurar o banco onde Woland os encontrou, mas sem medo de perder a cabeça: lá não passa nem nunca passou uma linha de bonde.

Bulgakov frequentemente visitava o lago, que foi onde ele conheceu duas de suas esposas. É uma parte de Moscou super agradável e cheia de restaurantes bons. Quando eu cheguei lá, em abril, ainda tava congelado, e no inverno dá para patinar no gelo.

O apartamento de Woland

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Bulgakov morava em um apartamento dividido, as famosas komunalkas, em Bolshaya Sadovaya Ulitsa, 302-bis, no apartamento número 50. Hoje, o apartamento é aberto ao público como o Museu Bulgakov, um museu privado. Mesmo sem entrar, ele é interessante. As escadas do prédio viraram lugar de peregrinação para os fãs do romance. Lembra que eu falei que as pessoas iam lá para escrever declarações de amor ao livro, ou seus trechos preferidos? Os melhores grafites eram mantidos na parede, então podemos ver várias camadas de tinta.

No apartamento mesmo, que tem entrada gratuita para estudantes, alguns quartos foram reconstruídos como eram, e outros tem instalações de arte e edições diferentes do romance.

No pátio, ficam esculturas de alguns dos personagens do romance, obra de Aleksandr Rukavishnikov. No apartamento do térreo, fica outro museu dedicado a Bulgakov, esse pertencente ao Estado, com uma coleção de objetos que pertenciam ao autor e estátuas de diabos, além de uma réplica de um tram dos anos 30. Eles organizam excursões pela cidade para amantes de literatura.

Eu fui só no museu do apartamento, que me pareceu mais interessante. Eu queria ver onde o diabo se hospedou.

MASSOLIT

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Bulgakov descreve a sede da MASSOLIT como uma casa de cor creme, chamada de Casa de Griboiedov porque talvez tenha pertencido à uma tia do famoso dramaturgo, embora não existissem provas. A casa que a inspirou pertencia aos tios de Herzen, e foi onde o romancista nasceu. Ela fica em Tverskoy Bulvar, número 25, e é a sede do Instituto Literário Gorki.

O nome inventado por Bulgakov vem do russo para “Literatura para as massas”, uma paródia do MASTCOMDRAM, o workshop de drama comunista. Depois de saber tudo pelo qual o autor passou, sua crítica feroz dos poetas ruins apreciados pelo regime (um deles, aliás, inspirado por Maiakóvski), aos críticos, ao estilo de vida dado aos prosadores oficiais, tudo faz mais sentido.

O Teatro de Variedades

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Segundo os especialistas, o Teatro de Variedades (Театр Варьете) ele foi inspirado pela Casa de Concertos estatal de Moscou (Государственный Московский мюзик-холл), onde hoje fica o Teatro de Sátira (Московский академический театр Сатиры). O teatro é perto do apartamento de Woland, e olhando a programação da época em que Bulgakov estava escrevendo seu romance vemos a presença de hipnotizadores e ilusionistas.

Lá Woland dá um espetáculo que coloca a nu (ahn? ahn???) a ganância dos moscovitas.

Jardim Aleksandrovsky

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Esse jardim perto do Kremlin é onde Margarida conhece Azazello, e de onde eles vêem a passagem do funeral de Berlioz.

Não só tem a reputação literária, mas também é um dos jardins mais agradáveis de Moscou.

A Casa de Margarida

Bulgakov não dá o endereço exato da casa de Margarida, limitando-se a dizer que é uma mansão em estilo gótico em uma ruazinha lateral da Arbat. Os estudiosos acham que algumas casas se encaixam na descrição. Algumas pessoas gostam de deixar assim, porque as outras casas são facilmente identificáveis, e o autor deve ter deixado essa vaga por algum motivo.

Outros oferecem alguns endereços, como na rua Ostojenka, no número 12 e na Maly Rzhevsky Pereulok, número 6.

A Noite de Valpúrgis

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Bulgakov ficou muito impressionado com um baile ao qual ele foi em 1935 na casa do embaixador americano. Eles alugaram cabras, ursos e galos brancos do zoológico de Moscou, plantaram milhares de rosas e tulipas no chão de feltro, convidaram uma orquestra de Praga para tocar na varanda, fizeram uma fonte de champagne. Por isso, Bulgakov resolveu situar lá o grande baile que o diabo dá, e mesmo incorporou vários elementos da festa.

Pare um momento para considerar isso. O grande baile do diabo aconteceu na residência do embaixador americano.

O encontro do Mestre e Margarida

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Andando pela Praça Pushkin e virando na Tverskaya Ulitsa, dá para ver um arco na interseção com a Bolshoy Gnezdnikovsky Pereulok. Foi aqui que o Mestre e Margarida se conheceram pela primeira vez. No romance, a rua não é nomeada, mas é descrita como sendo extraordinariamente sinuosa, ao contrário das ruas próximas. Também foi onde Bulgakov morou com sua terceira esposa, que se tornou o protótipo para Margarida.

Esse prédio de apartamentos baratos foi por muito tempo o mais alto de Moscou, e hoje abriga um teatro cigano, um cabaré, um cinema e um jardim no terraço.

A Casa do Mestre

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Os estudiosos de Bulgakov identificam o porão do Mestre na Mansurovsky Pereulok, número 9, entre a rua Prechistenka e Ostojenka. É a casinha pequena à direita.

Absolvição

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O lugar onde Woland e Azazello encontram Mateus Levi é uma casa famosa de Moscou, conhecida como casa Pashkov. Ela foi sede do primeiro museu público de Moscou, e atualmente pertence à Biblioteca da cidade. Ela fica em uma pequena coluna quase de frente ao Kremlin.

Gogol, escritor amado por Bulgakov, dizia que a vista da casa o lembrava de Roma, da qual Azazello se lembra olhando a cidade do alto.

Colinas dos pardais

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Finalmente, o final do romance, em que o Mestre e Margarida se juntam a Woland e seus companheiros para criar uma paródia dos quatro cavaleiros do apocalipse, passa-se nas Colinas dos Pardais (Воробьёвы горы). O lugar elevado é perfeito para que eles possam observar Moscou e então fugir dela. Também é famoso por ter sido de onde Napoleão viu Moscou pela primeira vez, ao invadir a cidade. Hoje, é um parque conhecido pela vista panorâmica da cidade e onde dá para alugar patins e bicicletas.

Se você quer ler Bulgákov, a boa notícia é que existem três edições de O Mestre e Margarida com tradução direta do russo.

A primeira tradução direta foi feita por Konstantin G. Asryantz, posfácio de Borís Sokolov e revisão de Svetlana Kardash, e saiu pela editora Ars Poética, e acho que pode só pode ser encontrada em sebos.

A segunda saiu pela Alfaguara em 2010, e foi traduzida pela Zoia Prestes. Aqui tem o link para vê-la no site da Companhia das Letras.

A terceira saiu pela Editora 34, com tradução de Irineu Franco Perpétuo. Clique aqui para ir ao site da editora.

Também existem edições mais antigas da Nova Fronteira e da Abril, que eu não recomendo porque são traduções resumidas e do inglês.

Além disso, tem duas outras obras de Bulgákov que saíram pela EDUSP, Um Coração de Cachorro e outras novelasO Diabo Solto em Moscou, que mistura contos e uma biografia do autor escrita por Homero Freitas de Andrade.

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