Volta ao Mundo em Filme: Quênia – Nairobi Half Life

O início de Nairobi Half Life, de David Tosh Gitonga, filme escolhido para o Quênia, parece bem familiar. Ele conta a história de Mwas, um jovem que mora com os pais em uma pequena aldeia e ganha a vida vendendo dvds piratas de filmes ocidentais. Ele gosta de imitar as cenas dos filmes, e sonha em se tornar um ator.

Quando uma trupe de atores chega à sua cidade, ele pede ajuda para realizar seu sonho. Um dos membros promete ajudá-lo em troca de 1000 libras quenianas (aproximadamente 10 dólares). Como ele só tem metade do dinheiro, ele promete levar o resto para o Teatro Nacional de Nairobi.

Mwas consegue convencer a mãe a deixá-lo ir e lhe dar o resto do dinheiro. Um primo, que é líder de um grupo criminoso, também lhe dá uma tarefa, a de levar um rádio roubado e dinheiro para uma loja em Nairobi. Logo ele desembarca na capital com os olhinhos brilhando pensando na nova vida, e é imediatamente roubado de tudo o que tem.

Em mais um contratempo, ele se vê em meio a um grupo correndo da polícia e é preso com eles. Na cadeia, ele é considerado suspeito por não ter um documento, com policiais que não acreditam na sua história, e é obrigado a limpar o pior banheiro já mostrado em um filme. Mas lá ele também faz um amigo, e consegue por ele seu primeiro emprego, roubando partes de carros em Nairobi. Enquanto isso, ele continua perseguindo seu sonho de se tornar um ator.

É interessante como o filme mistura elementos que já vimos em um milhão de filmes com traços locais. A história do jovem inocente que chega na cidade grande para se tornar um ator, descobre que essa cidade tem um lado negro, e tem que arrumar um emprego enquanto luta para conseguir uma audição? Já vimos mil vezes, mas a cidade geralmente é Los Angeles, Nova York, Rio de Janeiro. Não estamos acostumados a pensar que Nairobi pode ser vista do mesmo modo, como cidade de sonhos e oportunidades.

Também já vimos mil vezes a história de uma pessoa que se sente vivendo uma vida dupla. Mas a história de Mwas é usada para falar da divisão de classe no Quênia, e é muito bem feita. Existe o mundo dos ladrões e prostitutas, de Nairobbery, em que os personagens discutem rápido em Swahili e Kikuyu, e existe o mundo do teatro, em que eles conversam em inglês. Aliás, quando Mwas copia um trecho de um filme, ele nunca traduz, ele fala em inglês, o que me faz pensar em uma pesquisa que foi feita no sul da Itália sobre os dialetos locais. Muitos falantes, sendo completamente bilíngues entre italiano e a língua local, usam apenas a segunda para falar de assuntos domésticos, e mudam para a primeira quando querem falar de política, de arte, ou em qualquer situação formal. É o que é chamado de diglossia, e que dá profundidade à história do filme.

Enfim, o que eu curti é justamente como eles conseguem contar uma história que poderia ser clichê, mas que se torna nova por causa do contexto incomum e dos detalhes enriquecedores.

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