Versalhes: a calma antes da tempestade

Nunca entendi como Versalhes conseguiu se consolidar na imaginação da maioria das pessoas como um lugar romântico. Eu sempre imaginei Versalhes como um lugar parado no tempo, não para pensar em príncipes e princesas, mas como um momento congelado, a calma antes da tempestade.

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No filme Ridicule, de Patrice Leconte, eles mostram Versalhes como um lugar de uma corte fraca e corrupta, que não poderia se importar menos com que o acontece com a nação. O opulento palácio é um símbolo da opressão e da injustiça social.

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Quem mandou construir Versalhes foi Luis XIV, conhecido como o Rei Sol. Estimativas de quanto foi gasto para fazer o Palácio são sempre aproximações, no máximo, mas nos anos 2000 chegou-se ao número de 2 bilhões de dólares em valores atuais, e muitos acham que essa estimativa joga o valor para baixo. Outras estimativas tentam pensar quanto custava a manutenção do palácio, e chegam a conclusão que podia chegar a até 20% do PIB da França.

Um defensor da doutrina do direito divino dos reis, Luis XIV era conhecido como um rei autoritário e centralizador. Voltaire o descreve como vaidoso e belicoso, Saint-Simon escreveu em seu diário que não tinha nada que ele gostasse mais do que lisonja. Até hoje se discute se o seu esbanjamento com Versalhes, com guerras e com a corte foi uma causa direta da Revolução.

A mais famosa ocupante do Palácio, e de quem o atual Museu se ocupa bastante, é a rainha Maria Antonieta. Ela já foi vista de diversas formas na cultura popular, desde uma ninfomaníaca frívola e gastadora, à uma figura trágica, uma quase santa que foi aprisionada, acusada de incesto e assassinada.

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O fato é que, ao contrário de outros monarcas franceses, que visitaram grande parte do país, Luis XVI e Maria Antonieta passaram a maior parte do seu tempo em Versalhes, e isso contribuiu para sua impopularidade. Um rei ungido pela igreja é difícil de atacar, mas uma  mulher estrangeira que demorou quase uma década para ter um filho, em uma época em que essa era sua função, era um alvo fácil.

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É fácil antipatizar com a Maria Antonieta que gastava fortunas em vestidos, jóias e festas (a Madame Déficit), sem lembrar que ela era era uma criança de catorze anos quando se casou, e foi despachada sozinha para viver em um país estrangeiro, para agradar a família do marido e ter um herdeiro. É fácil simpatizar com a Maria Antonieta que se cansou da vida da corte e da burocracia de Versalhes e procurou uma vida mais simples no seu chalé, em que ela se vestia sem tanta pompa e fazia a própria manteiga, esquecendo como essa versão idealizada da vida no campo devia ser ofensiva para camponeses de verdade, que passavam fome. É difícil lembrar que ela era uma pessoa de verdade, não uma caricatura.

Chalé onde Maria Antonieta tentava levar uma vida longe dos excessos de Versalhes

Foi em Versalhes que o rei tentou dissolver a Assembléia de Estados Reais, e o terceiro estado saiu da sala e ocupou uma outra, usada para um jogo parecido com o squash, e fizeram um juramento de não se dispersar. Então a Sale du Jeu de Paume, hoje ela é um pequeno museu sobre a Revolução Francesa, do lado de fora do atual palácio.

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O Juramento da Sale du Jeu de Paume, do David, no Museu Carnavalet

Foi para Versalhes que marcharam 7 mil mulheres de Paris em 5 de outubro de 1789, exigindo pão. Elas chegaram a invadir o palácio atrás de Maria Antonieta, que conseguiu por pouco escapar para os aposentos do rei por uma passagem secreta.

As mulheres exigiram que o rei distribuíssem a comida armazenada no palácio, concordasse com a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão e se mudasse de volta para o Paris. Ele não teve escolha senão concordar, e a partir desse momento Luís XVI e sua família foram basicamente reféns do terceiro estado. O Palácio foi abandonado.

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O quarto de Maria Antonieta destruído, na última cena do filme da Sophia Coppola. Crédito: pinnland empire

Apesar de só ter sido o  lar de três monarcas, o último dos quais foi pego no olho do furacão e executado em praça pública, Versalhes se tornou um símbolo de poder e glória. Outras monarquias o copiaram e fizeram seus próprios palácios ridiculamente opulentos em diversos outros países. Hoje, a maioria deles são museus dedicados a uma versão romanceada da vida lá dentro.

Informações práticas:

Graças ao Paris Museum Pass, eu pulei a famosa fila que dura horas, e super recomendo comprá-lo para quem está em Paris por alguns dias.

Cheguei em Versalhes de metrô, pegando o RER C. Veja se está escrito Versalhes no trem, já que ele bifurca.

Tem vários restaurantes lá dentro, mas se você quiser economizar, leve um sanduíche e coma nos jardins. É barato, agradável e lá tem uma área para piqueniques.

Clique na imagem para ler mais sobre minha viagem para a França.

9 comentários

  1. Clara

    Gostei muito do post! Muito diferente do típico “é muito lindo”, “Maria Antonieta é linda”. Você sempre coloca umas coisas diferentes.

  2. Lívia

    Dá para ver que você tem mais consciência do que a maioria dos turistas que passeiam por lá. Porque para mim tem turista e tem viajante, e são coisas diferentes. Parabéns pela análise.

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