Visitando o que resta de Auschwitz

A gente acha que sabe o que esperar antes de entrar em Auschwitz. A gente aprendeu sobre a segunda guerra mundial na escola, viu filmes e leu livros sobre o assunto.

Temos uma imagem mental que vem dos filmes das barracas, da câmara de gás, dos trens de deportados, chegando de cada extremidade da Europa. Mas estar lá e ver o que sobrou de Auschwitz é uma experiência impactante que pode mexer profundamente com quem vai.

Eu cheguei em Auschwitz em um dia de inverno. O termometro marcava dois graus, mas o sol brilhava e o dia estava excepcionalmente bonito. E eu não conseguia pensar o que esse tempo, tão agradável para mim com meu sobretudo e botas impermeáveis, significava para alguém que estava mal vestido, subnutrido e forçado ao trabalho escravo. Para eles podia significar a morte.

Auschwitz é um complexo que costumava abrigar mais de quarenta campos de concentração. Entre eles estavam Auschwitz I, Auschwitz II – Birkenau, Auschwitz III – Monowitz e outros 45 campos satélite. Auschwitz era o maior complexo, e Auschwitz II – Birkenau era o maior campo de extermínio. Auschwitz I parece com o que eu tinha visto nos filmes, com os blocos de tijolos. Ele antes era usado como alojamento para o exército, então a infraestrutura aqui já existia. Birkenau é completamente diferente.

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Cada nação que teve cidadãos assassinados em Auschwitz ganhou o direito de fazer uma exposição dentro de Auschwitz I. O Estado de Israel não teve esse direito, já que não existia ainda, nem foram feitas exposições sobre homossexuais ou ciganos, cuja presença nos campos foi por muito tempo pouco estudada e conhecida. Também pouco se falou dos bordéis do campo, em que mulheres eram forçadas a se prostituir. Essa divisão é polêmica, já que alguns acham que ela pretendia disfarçar o fato de que franceses, poloneses ou gregos, as pessoas eram mandadas para Auschwitz principalmente por serem judias.

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No início, as pessoas achavam que estavam sendo deportadas. Elas colocavam os bens mais preciosos em malas, o que os nazistas as incentivavam a fazer porque depois o dinheiro que eles traziam era recolhido e as roupas eram enviadas para vítimas dos bombardeios americanos e ingleses. Nada de precioso era deixado para trás, nem os dentes de ouro ou próteses, arrancados dos cadáveres, nem mesmo os cabelos das vítimas, que eram usados para fazer almofadas.

A “seleção” dos deportados nem sempre acontecia como a gente aprende, com um médico que coloca as pessoas em uma fila – trabalho forçado – ou outra – câmara de gás. Uma sobrevivente contou que quando ela chegou em Auschwitz, os guardas disseram que quem pudesse devia caminhar até o campo (isso foi antes que os trilhos chegassem lá dentro), e que um ônibus seria disponibilizado para quem não pudesse. Essa era a seleção, e quem entrou no ônibus foi imediatamente enviado para a câmara de gás. Houve vários casos de mães que mentiram as idades dos filhos tentando poupá-los dos trabalhos forçados, sem saber que eles seriam imediatamente executados.

Os presos acordavam de manhã para serem contados, o que podia demorar várias horas. O dia de trabalho durava 12 horas. Aos domingos, eles eram obrigados a limpar os alojamentos e a tomar o banho semanal.

O Bloco 11 era o bloco de prisão, onde eram enviados os que haviam quebrado alguma regra. Alguns presos aqui eram obrigados a dormir em celas onde não podiam ficar em uma posição que não fosse de pé. Os que tentavam escapar eram trancados em uma cela escura para morrer de sede e fome. Outras vezes os guardas escolhiam aleatoriamente dez pessoas do mesmo bloco para morrer de fome e sede também, ou então enviavam toda a família do acusado para Auschwitz.

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“O trabalho liberta”

As pessoas se impressionam com o metodismo de Auschwitz, com os filmes que fazem parecer que aqui a morte se tornou uma questão de precisão e burocracia. Mas o caminho até as câmaras de gás foi longo. O governo nazista chegou a fazer planos para enviar todos os judeus da Europa para Madagascar. Quando a Solução Final foi arquitetada, massacres ocorreram na Ucrânia e  na Lituânia em que milhões foram assassinados por pelotões de fuzilamento. Mas o governo procurava modos mais eficazes de cometer genocídio. O próximo método utilizado foram caminhões em que o escapamento era invertido, despejando gases tóxicos nos prisioneiros dentro. Só depois começou a usar-se o gás Zyklon B, só depois câmaras de gás foram acrescidas de chuveiros falsos para que as vítimas não entrassem em pânico ao perceber o que acontecia. Quando os campos de concentração da Polônia foram construídos, milhões de judeus já tinham morrido mais ao leste.

Auschwitz teve um prisioneiro voluntário: Witold Pirecki, fundador de um grupo de resistência na Polônia ocupada, que foi ao campo para colher informação sobre o que ocorria para a inteligência polonesa. No campo, ele tentou melhorar a moral dos presos, distribuiu roupas e comida contrabandeadas e organizou movimentos de resistência. Ele chegou a manter uma rádio clandestina por alguns meses. Os informes que ele contrabandeava para fora do campo eram a principal fonte de informação dos aliados.  Depois de 945 dias sem conseguir convencer o exército a organizar uma missão de resgate, ele decidiu falar com eles pessoalmente e escapou do campo. Ninguém acreditou nos seus relatos, mas ele continuou a fazer parte da resistência polonesa e fez parte da Insurgência de Varsóvia. Em 1949, ele foi condenado como espião estrangeiro e executado.

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Quando as tropas soviéticas se aproximavam de Auschwitz em 1945, os presos foram obrigados a marchar até a Alemanha. Muitos morriam de exaustão e fome, quem não conseguia mais caminhar era executado, motivo pelo qual essas marchas ficaram conhecidas como Marchas da Morte. Os prisioneiros que ficaram, quase todos doentes, foram liberados em 27 de janeiro, data que ainda é celebrada no campo. Muitos dos documentos foram destruídos pelos nazistas em fuga, assim como as câmeras de gás e muitos dos alojamentos, para dificultar que alguém provasse o que tinha acontecido lá.

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O que restou das câmaras de gás

O Museu em Auschwitz foi fundado em 1947 por antigos prisioneiros. Eventualmente, Auschwitz se tornou um símbolo do holocausto, talvez por combinar o campo de extermínio e o campo de trabalho forçado – ele deixou mais testemunhas que Treblinka ou Chelmno, ou que os caminhões de gás no leste. Várias memórias foram publicadas, entre as quais as de Primo Levi, Tadeuz Borowski e Elie Wiesel.

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Como chegar: Auschwitz fica na cidade polonesa de Oswiecin, a cerca de 2 km da estação de trem. O jeito mais fácil de chegar é de ônibus, já que muitos param na frente do campo. Procure ônibus com o nome alemão de Auschwitz. Não compre passagem de retorno, já que várias companhias fazem o mesmo trajeto e é melhor não ficar preso a uma delas.

A entrada em Auschwitz é gratuita. Se você chegar ao campo em alta estação entre as 10 e 15 horas, no entanto, pode ser obrigado a participar de um tour, que custa 40 zloty. Você pode chegar antes, então, mas eu achei que o tour valeu muito a pena. Ele dura 3 horas e meia e te leva em Auschwitz I e em Birkenau. Quando você quiser voltar, pode pegar o shuttle gratuito e explorar com calma as exposições em Auschwitz I.

Fotografia é permitida, mas use o bom senso. Lembre-se que esse é um lugar onde milhões foram assassinados e por favor não tire uma selfie.

Edit: Recentemente li outra reportagem ótima sobre o assunto das Selfies em Auschwitz e a Banalidade do Mal. O autor é Felipe Arrojo Poroger, e vou deixar um link aqui.

Quer se preparar para ir? Leia aqui nosso post sobre livros e filmes para se preparar para a visita.

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Velas acesas no memorial aos mortos do campo, aqui divididos não pelos seus países de origem mas pelas suas línguas maternas

Clique na imagem para ler todos os nossos posts sobre a Polônia.

Ou clique na imagem para ler mais sobre os lugares que eu visitei que nos lembram a história da Segunda Guerra

Asdistancias blog especiais segunda guerra 2

10 comentários

  1. Luiza

    Li outro dia uma reportagem sobre as selfies em Auschwitz. Não consigo acreditar que tem gente tão egocêntrica, narcisista e jeca que fica com uma merda de pau de selfie fazendo pose e tirando fotos dele mesmos em um campo de concentração. Esse lugar não é sobre você, puta merda.

    1. Julia Boechat

      Oi, Luiza, tudo bom. Concordo 100% com a caracterização que você fez. Foi a reportagem que saiu na carta? Até acrescentei aí em cima, achei incrível. Estava discutindo com meus amigos como esse é o tipo de turismo que destrói o seu objeto. Realmente triste.

  2. Hortênsia

    Ótimo! Gostei das pesquisas, do contexto, muito legal! Devemos sempre lembrar que esses lugares existiram.

    1. Julia Boechat

      Concordo, principalmente porque ainda tem gente racista que não acredita nas evidências. É uma visita triste, mas importante.

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